segunda-feira, 6 de fevereiro de 2023

MOÇÂMEDES E PORTO ALEXANDRE NOS ÚLTIMOS TEMPOS DA COLONIZAÇÃO: VIDEO


RETRATO FIEL DAQUILO QUE ERAM MOÇÂMEDES E PORTO ALEXANDRE NOS ÚLTIMOS TEMPOS DA COLONIZAÇÃO, ENTÃO JÁ A ENTRAR NA FASE DE GRANDE PROGRESSO QUE SE AVIZINHAVA. INCLUI INTERVENÇÃO DO PRESIDENTE DA CÂMARA DE PORTO ALEXANDRE, LOURDINO TENDINHA.
1970-05-31 00:20:10
Documentário sobre o progresso e desenvolvimento de Moçâmedes e Porto Alexandre nos setores da saúde, educação, turismo, pesca e agricultura, com destaque para as atividades do Posto Experimental do Caraculo (PEC).  
 
 
VIDEO

segunda-feira, 30 de janeiro de 2023

António Sérgio de Sousa (19.1V.I849 -1851), 1º Governador de Moçâmedes

 

 

António Sérgio de Sousa
1º Governador de Moçâmedes (19.1V.I849 -1851)
 Reprodução de uma fotografia, cedida pelo seu neto, o escritor sr. António Sérgio)


 
O Capitão de Fragata António Sérgio de Sousa, 1º Governador de Moçâmedes, coadjuvou desveladamente com os antigos colonos no início da descolonização. 

Os termos Distrito, Governo e Governador aplicados a Mossâmedes, surgem pela 1ª vez no Decreto de 19 de Abril de 1849 (Visconde de Castro), que nomeou o Capitão de Fragata António Sérgio de Sousa, capitão-tenente, Governador do Distrito de Mossâmedes e encarregado da Direcção e Governo da nova colónia que ali ia estabelecer-se de portugueses emigrados do Brasil, para o que teria que se regular pelas instituições que, pelo Ministério do Ultramar, lhe seriam dadas, conforme B.O. 203 de 18 de Agosto 1849.

Foi em 19 de Abril de 1849, após o estabelecimento do regime liberal, que foi determinado por Decreto de 07 de Dezembro de 1836 de Vieira de Castro, que os domínios africanos formassem três Governos gerais (Cabo Verde, Angola e Moçambique), e um Governo particular (S. Tomé e Príncipe), compreendendo o Governo Geral de Angola o reino deste nome e o de Benguela. Foi deliberado pelo mesmo decreto que «nos Presídios e Estabelecimentos Marítimos houvesse um Governador subalterno, que neles exerceria a autoridade administrativa e militar», conforme Boletim do Conselho Ultramarino, Legislação Novíssima, 1834 a 1851.

O Capitão de Fragata António Sérgio de Sousa foi nomeado «por haver merecido  confiança de Sua Majestade a Rainha», visto que conhecia o Estabelecimento «que tinha visto com os seus próprios olhos e cuja importância tão adequadamente avaliara», conforme Preâmbulo dirigido directamente a ao próprio.  Quanto à delicadeza da missão e à forma como deveria ser cumprida, expressa-se o Ministro nestes persuasivos termos: «Uma colónia nascente está perfeitamente em caso análogo às primitivas sociedades; aos colonos é-lhes necessário um chefe da sua inteira confiança, que, no árduo e penoso desempenho dos seus trabalhos e riscos, os anime e conduza com tal asserto e tal arte, que alcancem o fim a que se dedicam, sem quebra de regulamentos que têm a cumprir e a que devem ser levados a respeitar, mais pela necessidade que lhes assiste do que pela aspereza e supremacia da respectiva autoridade».




O Governador, de acordo com o Preâmbulo das Instruções Ministeriais, de 26 de Abril de 1949, a si dirigidas, deveria ter todas as atenções com os colonos e pugnar pelas suas comodidades. O local escolhido para a projectada colónia deveria reunir as seguintes vantagens: fácil localização, fertilidade, abundância de pedra, madeira, água, e ficar próximo do porto de Mossãmedes. O sítio para a povoação deveria ser espaçoso de modo que pudessem ser levantados não menos que 400 fogos (artº 8). Nos casos em que o local escolhido não viesse ser litoral, o Governador deveria acautelar as deslocações para que esta se fizesse sem danos e os colonos chegassem de saúde ao destino (art 9). Deveriam para resguardo dos colonos ser construidos os primeiros alojamentos em barracas de pau-a-pique, cobertas de palha e amarradas com «mateba» ou cordas de cascas de árvores, empregando-se também bordões e ripas, conf. artº 11º. Durante os primeiros 6 meses o Governador deveria dirigir-se ao Governador Geral ou ao de Benguela a solicitar a requisição de farinhas e de legumes para os colonos, bem como carne e peixe em rações fixadas em tabela própria, que modificaria segundo as circunstâncias correntes (artº 17º). Ao Governador caberia promover as construções a levantar pelos particulares, fornecendo-lhes a cal que os fornos públicos pudessem ministrar a preços por que ficavam à Fazenda. (artº 3º). Seria dado ao colono chefe do fogo ou cabeça de casal uma porção de terreno para edificar a sua casa ou barraca habitável, direito que caducaria se no prazo de 5 anos esta não tivesse sido concluída . (artº 14. nº 8).

O governador António Sérgio de Sousa presidiu à sessão de instalação do Conselho Colonial de Mossâmedes, criado pelas Instruções Ministeriais, de 26 de Abril de 1849, e ainda à 2ª e 3ª sessões do mesmo Conselho a 21 de Outubro e a 5 de Abril de 1850. No decurso da sua vigência coadjuvou, desveladamente os antigos colonos no início da colonização, após a resposta do governo às pretensões de Bernardino Freire de Figueiredo Abreu e Castro na concessão de facilidades a todos os que se quisessem transferir para a África na sequência da revolução praieira em Pernambuco (Brasil) : passagem e sustento à custa do Estado, inclusive às famílias; transporte para móveis e objectos pessoais; "instrumentos artísticos ou agrícolas e de quaisquer sementes"; terrenos na colónia a ser fundada e uma mensalidade durante os 6 primeiros  meses."
 
Boletim do Conselho ultramarino, Volume 1 
By Portugal, Portugal. Conselho Ultramarino (pg 660)


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A CHEGADA A MOÇÂMEDES


Quando a barca brasileira "Tentativa Feliz" chegou a Moçâmedes, capitaneada pelo Brigue da Marinha Portuguesa "Douro", a povoação era habitada por meia dúzia de feitores europeus, bastantes naturais e escravos que receberam os colonos com grandes manifestações de regozijo, como descreveu o encarregado do Governo Geral major Ferreira Horta:

 "...Os moradores de Mossâmedes receberam os colonos, como se recebe hóspedes,  amigos e irmãos tão úteis: Portugueses que vem regar com seu suor as férteis e incultas terras d'Africa. ( conf. Boletim Oficial de Angola, n 204, de 25 Agosto 1849).

Da  parte daqueles que acabaram de chegar a satisfação não foi menor. Tudo estava preparado para os receber. Depois de tão árdua e fastidiosa viagem, constituiu apreciável prémio o terem encontrado, dentro das parcas possibilidades de que se dispunha, instalações para se albergarem.

A 5 de Outubro começaram a desembarcar as mercadorias dos navios, tendo todos, moradores, colonos e tripulação, ajudado nas operações de descarga, bem como na distribuição das pessoas pelos alojamentos, e na armazenagem dos viveres que restaram da viagem. 

Enquanto junto à praia se procedia a esta azáfama os encarregados da recepção e do Presidio acompanharam Bernardino Abreu e Castro às margens do rio Bero, onde depois de elucidarem o director dos colonos, apreciaram, e esboçaram em conjunto, os moldes em que deveria decorrer a repartição do terreno pelos vários elementos componentes da colónia.

Na mente do grande chefe o tempo não poderia correr inutilmente, As terras ansiavam por quem delas cuidasse e os homens aspiravam a recuperar todas as despesas até então encetadas.

A 16 de Janeiro partiram com destino a Luanda, a barca e o brigue, depois de terem cumprido a missão que lhes havia sido anteriormente destinada. A bordo do Brigue seguira Bernardino Abreu e Castro. O intuito era de pessoalmente conferenciar com Adrião Acácio da Silveira Pinto, Governador Geral, e nessas conversações assentarem ambos sobre medidas a tomar.

António Sérgio de Sousa, governador nomeado para o distrito de Moçâmedes  já se encontrava em Luanda, o que proporcionou um acerto na coordenação dos objectivos a levar a cabo no estabelecimento acabado de nascer.

A permanência de Bernardino em Luanda prolongou-se por quase dois meses, tempo que foi absorvido pelas reuniões conjuntas de trabalho e por proveitosa deslocação às margens do Cuanza , onde teve o ensejo de se inteirar de problemas ligados à agricultura e à região do Bengo para conhecer os moldes como se cultivava a cana-de-açúcar, donde por sinal, colheu grande quantidade de sementes e plantas de cana sacarina para transplantação. Regressou a Luanda impressionado com aquelas regiões, porquanto como referiu:

"Nunca vira vegetação mais pomposa do que a das extensas margens d'aquelles rios, nos quaes quasi sem cultura vegetavam admiravelmente a cana do assúcar, o milho, o feijão, o guandu, a bananeira, o ananaz, o dendém (...), e outras árvores de fructo, de madeira e de lenhas."

 Tomando contacto com a realidade angolana, numa observação que apesar de rápida o seu espírito perspicaz abarcou, Bernardino  Freire conseguiu em poucos dias de estada na capital tirar algumas conclusões para tentar destruir o pensamento dos que vivem na Europa, e que de África só conheciam a insalubridade do clima. Para tal preconizava que, por meio de habitações cómodas, pela destruição dos lugares pantanosos, pelo fogo que devasta ervas daninhas e purifica a atmosfera, aliada a medidas de elevação humana, citando como exemplo o acabar com excesso de bebidas alcoólicas, e uma alimentação racional, bem como "o uso de banhos de água doce", os homens poderiam viver em África do mesmo modo como o faziam nas metrópoles europeias.

Antes de regressar a Moçâmedes, pede ao director da colónia, ao Governador Silveira Pinto,  que mandasse vir do Egipto sementes de algodão, uma vez que pensava ser o clima do sul propício a tal cultura, pedido que foi satisfeito. E pouco depois, na companhia de Antonio Sérgio de Sousa, seguiu com destino a Moçâmedes, onde desembarcaram a 12 de Outubro de 1949.


A FIXAÇÃO DA COLÓNIA


Chegado a Moçâmedes, António Sérgio de Sousa tentou sempre cumprir o programa que previamente lhe fora imposto pelo Ministério da Marinha e Ultramar, bem como dar largas à sua imaginação nos pontos que durante execução prática era de incongruente resolução.  ????

As "instruções de 26 de Abril de 1849" que lhe foram entregues quando da sua nomeação em Lisboa, preconizavam a criação de um Conselho Colonial, que coadjuvaria o governador no desempenho das duas funções. Este orgão seria composto por quatro elementos eleitos pelos colonos e era presidido pelo governador, que tinha voto de qualidade.  Deveria reunir-se sempre que surgissem casos de guerra;  nas relações externas com os sobas da região;  na administração da justiça, criando na ocasião própria um lugar de juiz ordinário, bem como na nomeação, substituição e exoneração de funcionários subalternos. Além destes pontos que obrigatoriamente dariam origem a uma reunião, o Governador tinha poderes para convocar o conselho colonial sempre que achasse conveniente.                                                                            

Segundo uma carta assinada por Bernardino Freire de Figueiredo Abreu e Castro, e datada de 18 de Outubro  daquele ano, nessa votação saíram eleitos,  além dele próprio,  os colonos José Leite de Albuquerque, José Maria Barbosa, e Manuel José Coelho de Freitas, tendo o último recusado o lugar alegando falta de saúde e sido substituído por José Gonçalves da Silva Soares.  (Conf. Boletim Oficial de Angola 220 de 15 de Dezembro 1919)

Quatro à chamada de Bernardino Freire para ocupar o lugar no conselho colonial, duvida-se que tivesse sido feita por votação. No entanto, por falta de documentos, como a acta da sessão eleitoral, não é possível adiantar mais. A dúvida apareceu quando da analise das instruções fornecidas a António Sérgio, onde se verificou que em artigo transitório se nomeava como membro que necessariamente tinha de figurar no  conselho, Abreu e Castro. Será que Sérgio de Sousa quis correr o risco de uma votação para se certificar da popularidade de Bernardino, bem como na confiança que nele depositavam os seus colonos?  Duvidamos que se tivesse processado assim.

Este orgão administrativo que foi o Conselho Colonial, criado em Moçâmedes em 1849, foi a substituição primária que precedeu o aparecimento da Câmara Municipal de Moçâmedes, a terceira mais antiga edilidade da província de Angola.


 OS PRIMEIROS TEMPO DA NOVA COLÓNIA


Segundo as «instruções» de António Sérgio de Sousa e do Conselho Colonial, começaram a sua actividade pela divisão e a distribuição dos terrenos aos colonos agricultores. Este acto que poderia ter originado uma onda de descontentamento, foi bem aceite por todos, uma vez que na mente de cada um dominava a ideia de que os terrenos possuíam as condições óptimas para laborar as culturas que desejavam. Presidiu à divisão um elevado espírito de boa fé, e só o futuro pode dizer que na realidade, uns tivessem sido beneficiados pela sorte, enquanto outros, por mais esforços que envidassem, tiveram sempre como aliada a dura adversidade.

A várzea do rio Bero, a poucos quilómetros da foz, foi toda retalhada e entregue a cada um dos colonos, com a obrigação de a arrotearem e prepararem para a cultura da cana-de-açúcar e produtos hortícolas.  Como afirmou Bernardino Freire, Moçâmedes foi nos primeiros dias  um «bolício» , onde se edificavam casas, se arroteavam terras, se montavam olarias, sempre com a  colaboração de escravos, que, por entre os colonos, conduziam em carros de bois «caibro, junco,e táboa» à medida das solicitações.


A 1 de Outubro de 1849, no local dos Cavaleiros, onde Bernardino Abreu e Castro iria construir a sua fazenda agrícola, deu-se a primeira manifestação de regozijo, concentrando-se ali colonos e autoridades administrativas para assistirem o lançamento à terra moçamedense da primeira "semente de cana".   Esta foi a espécie agrícola em que todos, colonos e entidades governamentais, depositavam as grandes esperanças, mas o tempo haveria de demonstrar que não seria a ideal.

O 1º de Janeiro passado pelos colonos em terras angolanas rompia, quando a colónia foi atacada pelos povos do Nano, do Quilengues e do Dombe Grande, o que veio aumentar ainda mais as dificuldades.  Não só se tinha que encetar um esforço em prol da agricultura, como ainda resguardar aqueles que trabalhavam, das investidas dos povos vizinhos, que se rebelavam muitas vezes contra a presença dos europeus.

"Não esperem que lhes hei-de contar maravilhas em respeito à Colónia, sobre que estão fitos os olhos dos portugueses que lá andam por essa América, e que estão à mira do modo como esta se estabeleceu, para virem assinar-se-lhe, ou estabelecer outras."    In Crónica de Bernardino Abreu e Castro datada de 10 de Dezembro de 1849 in Boletim Oficial de Angola n 229 de 16 Fevereiro 1850.

Estas palavras de Abreu e  Castro são demonstrativas das grandes expectativa que rodeava a colónia. Se deste ensaio surtissem os efeitos por todos almejados, o exemplo poderia ser repetido, dando origem a um afluxo de imigração notável, com o consequente povoamento e desenvolvimento da possessão. Arrancando ao seu pensamento aquela ideia, prossegue Abreu e Castro:

"Não serei como frade, que querendo convencer um rapaz para abraçar a vida monástica, lhe dizia que no seu convento havia  dous entrudos, ocultando-lhe que tão bem havia dias quaresmas "

In Crónica de Bernardino Abreu e Castro datada de 10 de Dezembro de 1849 in Boletim Oficial de Angola n 229 de 16 Fevereiro 1850.

Com tão engenhosa comparação pretende o autor ficar ilibado de futuras acusações, retratando sempre quanto possível as duas fases da tarefa a desempenhar.




OUTROS GOVERNADORES DE MOSSÂMEDE/MOÇÂMEDES
 

Foram governadores de Moçâmedes no primeiro decénio da sua fundação (1949-1859):

O capitão de Fragata António Sérgio de Sousa (1849/1851);
O major José Herculano Ferreira da Horta (1851-1852):
O capitão-tenente Carlos Frederico Botelho de Vasconcelos (1852-1854);
O tenente António do Canto e Castro (1854);
O capitão Fernando da Costa Leal (1854-1959)


O major José Herculano Ferreira da Horta (1851-1852) governou o distrito apenas 14 meses, pois que, tendo tomado posse do cargo a 10 de Agosto de 1851, deixou de exercer o cargo em 3 de Outubro de 1852.- Presidiu, com notável zelo, à 5ª, 6ª e 7ª sessões do Conselho Colonial Português.

O capitão-tenente Carlos Frederico Botelho de Vasconcelos (1852-1854) assumiu a administração do Distrito em 3 de Outubro de 1852.  Desenvolveu rigorosa e severa fiscalização, conforme escreve Brito Aranha, sobre os rendimentos da colónia e sobre os objectos da fazenda nacional, que, naquela época, eram escassíssimos, mas também conseguiu, de acordo com o Governo Geral da Província, e, tendo para isso as necessárias ordens do Governo da Metrópole, que cessassem os abonos que os colonos recebiam, e que, alimentando a ociosidade de muitos deles, atrasavam consideravelmente o desenvolvimento dos trabalhos agrícolas. Conf. "Memórias Histórico Estatísticas" de Brito Aranha.

A acção do Governador teve bons resultados uma vez que fez regressar ao trabalho aqueles que, ante os infortúnios dos primeiros tempos, dele se iam afastando, o que os beneficiou e beneficiou o Distrito.

O tenente António do Canto e Castro (1854) apenas geriu a administração do Distrito por 23 dias de 04 de Fevereiro de 1854, data da sua posse, até 26 do mesmo mês e ano.

Bibliografia: Manuel Júlio de Mendonça Torres
«Moçâmedes nas fases de origem e da primeira organização»,
1º volume. Agencia Geral do Ultramar
 



Histórico dos Governadores de Moçâmedes 
 
De  1849 até 1851:  António Sérgio de Sousa
De  1851 até 1852: José Herculano Ferreira da Horta
De  1852 até 1854: Carlos Botelho de Vasconcelos
Em 1854:  António do Canto e Castro
De  1854  até 1859:  Fernando da Costa Leal;
De  1859  até 1861: António Joaquim de Castro
De  1861 até 1863: João Jacinto Tavares
De  1863 até 1866:  Fernando da Costa Leal
Em 1866: Alexandre de Sousa Alvim Pereira
De  1866  até 1870 Joaquim José da Graça
De  1870  até 1871 Estanislau de Assunção e Almeida
De  1871  até 1876 Lúcio Albino Pereira Crespo
Em 1876:  Francisco Teixeira da Silva
De  1876  até 1877 José Joaquim Teixeira Beltrão
De  1877 até 1878 Francisco Augusto da Costa Cabral
Em 1878 Sebastião Nunes da Mata
De  1878 até 1879 Francisco Ferreira do Amaral
De  1879 até 1880 Sebastião Nunes da Mata
Em 1880 José Bento Ferreira de Almeida e Sr. João António das Neves Ferreira
De  1880 até 1886: Sebastião Nunes da Mata
De 1886 até 1889: Álvaro António da Costa Ferreira
Em 1889 Ventura Duarte Barros da Fonseca
De 1889 até 1892: Luís Bernardino Leitão Xavier
De 1892 até 1893: Martinho de Queirós Montenegro
De 1893 até 1895: Júlio José Marques da Costa
De 1895 até 1896: João de Canto e Castro Antunes
De 1896 até 1897: João Manuel Mendonça e Gaivão
Em 1897:  Sr. João Manuel Pereira da Silva
De 1897 até 1899: Francisco Diogo de Sá
De 1899 até 1902: José Maria d'Aguiar
Em 1902: Sebastião Corrêa de Oliveira
De 1902 até 1903: João Augusto Vieira da Fonseca
De 1903 até 1904: Viriato Zeferino Passaláqua
De 1904 até 1905: José Alfredo Ferreira Margarido
De 1905 até 1907: José Rafael da Cunha
De 1907 até 1908: António Maria da Silva
De 1908 até 1910: Alberto Carolino Ferreira da Costa
Em 1910: António Brandão de Mello Mimoso
De 1910 até 1912: Caetano Carvalhal Corrêa Henriques
De 1912 até 1914: Henrique Monteiro Corrêa da Silva
Em 1914: José Monteiro de Macedo
De 1914 até 1916: Alfredo de Albuquerque Felner
De 1916 até 1918: José Inácio da Silva
De 1918 até 1919: António Dias
De 1919 até 1922:  José Manuel da Costa
De 1922 até 1924: Alberto Nunes Freire Quaresma
De 1924 até 1926: Eng.º Artur Silva
De 1926 até 1928: António Augusto de Sequeira Braga
De 1928 até 1929: Francisco Martins de Oliveira Santos;
Em 1929: Alcino José Pereira de Vasconcelos
De 1929 até 1930: António Augusto de Sequeira Braga
Em 1930: José Maria de Seita Machado; Sr. Carlos Ludgero Antunes Cabrita; Dom António de Almeida Capitão; Sr. Alberto Nunes Freire Quaresma
De 1930 até 1935: José Pereira Sabrosa
Depois de 1935: houve uma interrupção provocada por razões de divisão administrativa tendo a governação sido retomada em 1956.
De 1956 até 1960: Vasco Falcão Nunes da Ponte
De 1960 até 1969: José Luís Henriques de Brito
De 1969 até 1970: Rogério de Abreu Amoreira Martins
De 1970 até 1971: Agostinho Gomes Pereira
De 1971 até ... : Amândio José Rogado

SOBRE O DIA DA CHEGADA DOS PRIMEIROS BRANCOS A MOÇÂMEDES .

 

(*) Requerimento

Diz a História que o jovem António Joaquim Guimarães Júnior foi o fundador, em 1839, da 1ª feitoria, a par do recentemente formado "Estabelecimento Prisional de Mossâmedes", onde não existiam relações comerciais com os gentios do sertão do sul, de modo a tornar efectiva a presença de Portugal. 
 
Aliás, a iniciativa teria partido do próprio Guimarães, como ele mesmo afirma. Tinha apenas 20 anos quando fez chegar à Secretaria do Ultramar um requerimento e obteve os meios necessários para a realização de tal empresa, em que se oferecia para montar em Moçâmedes, no sul de Angola, uma indústria de charqueação (carne salgada e seca) e de cortumes, além do comércio usual daquela província, isto é, a troca de cera, marfim, gomma copal, urzella & c., "por fazendas, missanga, e géneros do agrado daqueles povos de vida pastoril, que possuíam grande quantidade de gados vaccum, e ovelhum." 
 
Considerava-se então que convinha desenvolver um ramo novo da indústria, porquanto Guimarães Júnior encontraria consumidores para os seus produtos nas embarcações do Estado provenientes da Ásia e que em Moçâmedes podiam abastecer-se, para além de que a Ilha de St.a Helena, onde estacionavam baleeiros vindos da América e dedicados à pesca da baleia nos mares da Baía dos Tigres, distava apenas oito dias de viagem.
 
Moçâmedes inaugurava assim um novo paradigma  colonial, que teve na sua origem, sem dúvida, ideais iluministas de igualdade liberdade e fraternidade, veiculados pela Revolução Francesa (1789), que  tinham mudado o quadro mental europeu,  levaram no Portugal metropolitano levando às invasões francesas (1807-119, à revolução de 1820, à independência do Brasil (1822), à queda do absolutismo monárquico e triunfo do liberalismo (1834), e à abolição do tráfico de escravos para o Brasil e Américas, (1836), e proporcionaram um novo olhar na direcção das colónias africanas, secularmente estagnadas, sobretudo para Angola, a nova Jóia da corôa, pelas riquezas  por explorar que guardava o seu solo e subsolo.  Portugal tinha que enveredar para a ocupação efectiva e  para o progresso da colónia, agora abrangendo colonos que até então estavam ausentes, mas também autóctones que deveriam não mais ser traficados para o Brasil, mas levados a trabalhar para o desenvolvimento económico, mas também atrair possíveis investidores de capitais.
 
Por essa altura Pedro Alexandrino da Cunha tinha sido escolhido pelo Governador e Vice Almirante Manuel António de Noronha, para chefe da estação naval de Luanda,  competindo-lhe vigiar os embarques de escravos entre Molembo e Luanda. Pedro Alexandrino da Cunha e António Joaquim Guimarães Júnior iam ambos explorar a costa ao sul de Benguela, o primeiro como geógrafo e roteirista, o segundo como comerciante, estudando a probabilidade de se instalar na costa a sul de Benguela feitorias comerciais, e aportaram em 22 de Setembro de 1839, na velha "Manga das Areias", Baia dos Tigres, derivando em seguida para Moçâmedes.  Do mesmo empreendimento fez parte o tenente Gregório José Garcia, nomeado em 1840 comandante do novo estabelecimento da Baía de Moçâmedes,  o Forte de S. Fernando, que deveria para ali dirigir-se por terra e o juntar-se a Alexandrino da Cunha e a Guimarães, conforme "Memória Sobre a Exploração da Costa Sul de Benguela na África Ocidental e Fundação do Primeiro Estabelecimento Comercial na Baía de Mossâmedes", da autoria de Guimarães publicada em Lisboa no ano de 1842.  Garcia depressa iria incompatibizar-se com Guimarães, cuja feitoria acabaria incendiada, e completamente destruída. Mas a este respeito, saber os porquês, teria que nos levar a novas e aprofundadas pesquisas que envolvessem o jovem investidor que caíra de imediato no agrado dos sobas da região, Quipola e Giraúlo. Guimarães, que  ficou conhecido como o "Gato com Botas",  bem como o local do seu estabelecimento, aponta no livro que deixou para a posteridade para as ambições pessoais do Comandante do novo estabelecimento.
 
Segue, no respeito da escrita da época, parte do relato da entrada da corveta "Isabel Maria" na baía de Moçâmedes, onde tiveram que se confrontar com um "banco" de areia que atrapalhava a navegação. A parte da Memória aqui descrita, em nada foi alterada, para que não se perca uma "gota" deste impressionante relato que nos mostra aquilo que era a Moçâmedes nesse tempo: nada, absolutamente nada, apenas um areal desértico junto ao mar, banhado por um rio seco a maior parte do ano, o rio Bero, mas suficiente para que a vida ali se tornasse possível... Isto, porque retinha água no solo e no sub-solo, quando na época das chuvas as água das enxurradas invadirem as margens, e levava  consigo fertilizantes naturais para novas sementeiras, gerando uma espécie de microclima temperado que mais tarde faria das "Hortas" verdadeiros oásis.
 
"...Foi então que em menos de quarenta e oito horas avistámos a bahia de Mossâmedes, duvidando porém se seria ella, posto que todos os indícios, que a distancia nos deixava perceber, combinassem com a ideia que eu fazia d'este logar, e como erão já cinco horas da tarde, o Commandante resolveo fazer-se ao largo, e vir no dia seguinte reconhecer a terra, lembrança que me pareceo muito ajuizada e prudente, pois que estando tão próximos d'uma costa para nós inteiramente desconhecida, muitos erão os perigos a que podíamos estar sujeitos, e tanto mais , quanto se nos aprezentava um baixo em que o mar rebentava com muita força, e o qual, projectado como se achava, parecia fecharnos a entrada da bahia, que duas mui notáveis pontas deixavão formada, e que mostrava não ser piquena e alem disso o fumo que distinctamene viamos, nos denunciava a existencia d'habitantes n'aquelle ponto. 
 
(...)
... Era na realidade um espectáculo para mim bem singular a minha recepção naquella. bahia, pois que além de diversos cumprimentos e ceremonias extravagantes do seu uso, mandou o Soba fazer pela sua gente.uma especie de telheiro de ramos para me abrigar do sol, e debaixo mandou estender uma esteira, onde me convidou a sentar, colocando-se elle defronte de mim. Então lhe fiz vêr que nós só pertendiamos a sua amizade, e. que não erao nossas intenções outras, senão trocar as muitas fazendas e generos que possuíamos , por marfim , cera, gado, urzella ; que o trataríamos sempre muito bem, e que só delle solicitava o consentimento de fazer uma casa, onde se recolhessem as muitas cousas que pertendiamos conduzir para ali. A estas proposições simplesmente retribuio, que me responderia no dia seguinte, mui naturalmente para no intervalo ouvir o conselho dos principaes de sua corte, a que chamão Secúlos. Pedio-me por isso, que lhe mostrasse o que trazia , o que fiz, começando por offerecer-lhe alguns objectos, taes como panno azul, missanga branca, aguardente, do que se mostrou muito reconhecido, e mandou trazer leite, milho verde, e um boi, que me deu .em signal de agradecimento, promettendo-lhe que no dia seguinte traria gado para trocar por alguns dos objectos que eu tinha; e assim me retirei para bordo, vindo elle com os principaes dos seus acompanhar-me athe ao melo do caminho para o embarque, e ali se despedido, e eu fui jantar para bordo, e descançar." 
 
(...)
 ...Viemos pois no dia immediato, e com as precisas cautellas e a favor de não pouco trabalho conseguimos entrar nesta bahia, fundeando peias seis horas da tarde sem maior novidade. Logo forao vistas de bordo duas bandeiras brancas, que erão os signaes convencionados com o oficial que tinha ido por terra, algumas fogueiras , gado pastando, algumas arvores, e bastante vegetação & c., tudo isto bastou para confirmar-nos na ideia de ser este o logar que procuravamos , porém como era quasi noute, i penas forão dois escaleres correr a bahia , os quaes voltarão com a noticia de terem visto peia praia muitos negros, que pareciào chamai-os.
 
(...)
...No outro dia fui eu o primeiro a ir para terra com algumas bagatellas de fazendas e missangas, nossas unicas armas, levando comigo sómente tres homens negros e um branco, e havendo previamente combinado com o Commandante, o fazer signal para bordo no caso de me verem perigo; logo que saltei em terra, vi que de longe caminhavào para mim uma multidão de negros, trazendo adiante uma bandeira branca, e depois que nos aproximámos mais , reconheci que a gente que vinha na frente não era gentio, por trazerem jaquetas brancas, quando estes costumào andar nus só com uma tanga. Erão pois um pardo escrivão de Quilengues, com tres soldados pretos da guarnição d'aquelle presidio, alguns Mocotas, ou principaes da Corte de potentados visinhos, que o mencionado official havia mandado adiante, a fim de collocarem as bandeirolas, e socegar os animos da gente das praias, e para o que são muito proprios os homens pardos, mormente os sertanejos, pelo pleno conhecimento do idioma do paiz, vindo por isso a ter muito mais facilidade em conduzir os indigenas aos seus fins.
 
 (...)
...No dia seguinte ainda as ceremónias forão as mesmas, trouxe gado e um pouco de marfim, e offereceu-me leite que acceitei, e de que mandei fazer sopas; porém quando vio o homem que eu havia incumbido d'arranjar a comida, ir pôr o leite ao lume para ferver, se espantou , e disse, que o aquecer o leite fazia mal ao gado, e assim que permittisse que elle deitasse no leite um bocadinho de casca d'uma arvore, que tinha a virtude de destruir o feitiço ou mal que pudesse resultar. Terminado este incidente, fallamos sobre a questão da véspera que tinha ficado pendente da sua decisão, e me disse, que não só consentia, em que fizessemos casa nas suas terras, mas tambem que se levantasse uma fortaleza, para que o gentio do interior os não viesse guerrear para lhes roubar o gado, e que estava certo, que a vinda dos brancos devia augmentar a importancia de suas terras. A final em todo o resto do tempo que ali me demorei, me continuei a dar com elles muito bem, e quando me retirei, os deixei do melhor acordo, fazendo-lhes repetidas promessas de voltar em breve. "
 
(...)
...São os indigenas d'esta bahia, como os Mocorocas , de nação Mucubal, e de vida pastoral, possuem gado das duas especies já mencionadas em grande quantidade, especialmente do vaccun, sendo porém dois terços ou mais desta povoação de vida errante; porque como é immensa a quantidade de gado que possuem, e sendo muito frequente na Africa a falta de chuvas, se vêm obrigados a estabellecer a sua habitação aonde encontrão pastos , o que geralmente acontece sempre proximo dos rios e valles, em que podem achar agua com facilidade, trocando-a por outra, logo que naquelle logar começão a escacear os pastos, A estas habitações chamão sambos ou curraes os quáes são de forma circular , tendo em roda uma ordem de choupanas do feitio de fornos , com uma entrada pequena como a d'estes,e que são formadas de páos espetados muito juntos formando um circulo largo no chão , e estreitando athe se unirem todos na parte superior, e depois de bem cobertas de palha, as barrão e cobrem perfeitamente de barro amassado com bosta , o que depois de seceo as torna impenetraveis á agua, respira-se porém dentro de taes habitações um ar quente e abafadiço, que para nós europeos é insupportavel; apezar disso elles não dormem jamais sem fogo, para o que costumã assentar uma lage no centro das choupanas, e na falta d'ella, uma camada de barro amassado, de que em todo o caso é formado o assento da cabana. Pela parte de fora desta ordem de choupanas, ha sempre um tapume feito de estacadas e ramos de tamarindeiro bravo, e outros arbustos espinhosos, em que abundão aquelles sertões por toda a parte; é pois no espaçoso terreiro do centro, que o gado fica de noite, mas tendo elles o cuidado d''apartar ali as crias, para depois tirarem o leite, seu sustento principal, e de que tambem fazem boa manteiga para diversos usos, a que depois d'apurada e prompta chamão engunde. As mulheres são as que trabalhão na cultura das terras, em quanto os homens só tratão do gado, e no caso de guerra vão esconder aquellas e este, e pelejão então para defender-se simplesmente, pois que não são guerreiros; ha porém povoações no interior que lhes movem guerras para lhes roubar o gado, sua unica riqueza, isto é, por elles assim avaliada."    FIM DE CITAÇÃO.
 
 
 
 
 
MariaNJardim
 
Inclui cópia do REQUERIMENTO de António Joaquim Guimarães Júnior, o fundador, em 1839, da 1ª feitoria de Mossâmedes, e 1 gravura de Mossâmedes datada de 1863. Mossàmedes depois Moçâmedes!
 
 




quinta-feira, 3 de novembro de 2022

Fuga de Moçâmedes pela costa dos Esqueletos 1975. Foz do Cunene e Namíbia


De um lado, mares agitados; do outro, o deserto mais cruel do mundo
O voo para a morte ou a liberdade pela Costa dos Esqueletos
Texto: Val King (revista Scope – África do Sul)
 
Desde que Moisés conduziu os israelitas do Egipto até à Terra Prometida, nunca houve igual êxodo em massa de um país africano. Na sua louca luta por segurança, 200 refugiados angolanos, sem o saberem, enfrentaram involuntariamente a região mais hostil do mundo.
O Major "Blue" Max Kessler mergulhou a asa do seu Comanche bimotor de forma acentuada para ter uma panorâmica melhor. A visão lá embaixo era suficiente para o fazer desatar a rir se não fosse tão dolorosa. Foi a coisa mais incrível que alguma vez tinha acontecido na história da Costa dos Esqueletos, famosa pelos seus naufrágios.
Abaixo, na margem sul do rio Cunene, estava a mais estranha fila motorizada que se atreveria a imaginar. Sessenta e um veículos de todas as marcas, carregados com os despojos de uma vida e transportando 201 refugiados angolanos, desde um bebé de um mês ainda não baptizado a uma rapariga grávida de 17 anos e incluindo avós viúvas vestidas de preto. Uma estranha fila determinada a enfrentar o deserto mais perigoso do mundo. O suficiente para fazer os esqueletos desta “Costa da Morte” girarem nas suas sepulturas arenosas.
Max Kessler, batedor do Esquadrão 112 do Sudoeste Africano, esperava encontrar um carro ou dois atolados na areia, enquanto percorria a costa do deserto em busca dos refugiados que fugiam do terror de Angola. Mas encontrou metade dos carros e camiões de duas localidades piscatórias...! Como recordou depois: "Parecia uma fila para uma corrida no autódromo de Kyalami (África do Sul), ao estilo português".
Max Kessler e seu companheiro igualmente surpreso, o major Nic Badenhorst, voaram baixo, sob pesadas nuvens costeiras, e pousaram suavemente num banco de areia firme o suficiente para sustentar o peso do avião. Foram então recebidos num cenário que mais parecia um campo de férias que um amontoado de refugiados perplexos, presos entre o banho de sangue de Angola e o deserto hostil da Costa dos Esqueletos.
Havia varais pendurados entre os camiões e as mães lavavam as fraldas e as roupas no Cunene, depois de verificarem que não havia crocodilos nas proximidades. As crianças brincavam com brinquedos e construíam castelos de areia. Os homens haviam assado um porco no espeto, prontos para a longa jornada rumo ao Sul. E quando Max Kessler e Nic Badenhorst saíram do avião, os angolanos quase os beijaram de alegria, prontos para festejar a sua chegada com vinho.
De alguma forma, este cenário não condizia com o clima de uma costa desértica que construíra sua horrível reputação com base em ossos humanos, navios e aviões. O motivo pelo qual não havia grandes massas de veículos espalhados pela areia era simples: normalmente, ninguém era louco o suficiente para desafiar a Costa dos Esqueletos em qualquer coisa menos do que veículos com tração às quatro rodas. Pelos vistos, depressa o deserto iria ser compensado por essa falta de carros abandonados.
Max Kessler e Nic Badenhorst depressa perceberam que havia pessoas que nunca tinham ouvido falar da Costa dos Esqueletos. Duzentas e uma delas, pelo menos. Como contou mais tarde João Jardim, o líder dos refugiados, de 27 anos: “Ainda em Angola, alguns espertinhos disseram-nos: 'Ao sul do Cunene é só conduzir 60 kms e depois chegam a uma boa estrada e a uma aldeia'. Nós nunca tínhamos ouvido falar da Costa dos Esqueletos. Mas mesmo que tivéssemos, não poderia ser pior do que Angola.”
Assim, a primeira coisa que os refugiados quiseram saber dos dois pilotos do Sudoeste Africano foi: "Onde ficam essa estrada e a próxima aldeia?"
Max Kessler balançou a cabeça em descrença e desenhou um mapa. A "aldeia" mais próxima, explicou pacientemente, era a pequena estância de férias de Swakopmund, mais de 800 kms a sul. E não havia nada parecido com uma estrada nos próximos 300 kms. A única pessoa que vivia nessa desolação varrida pela areia também morava a 300 km de distância, em Mowe Bay: era Ernst Karlowa, um guarda-florestal da reserva de caça Kakaoveld que alcançava o mar através do deserto.
Pelo meio existe apenas um acampamento policial temporário para patrulhas ocasionais, em Rocky Point, e um barraco abandonado em Angra Fria - e nada mais que um mar de areia governado por ventos fortes que tentam enterrar qualquer coisa que se cruze no seu caminho. Como enterraram um navio naufragado, que jaz agora a um quilómetro terra adentro.
Esta costa de diamantes, deserto e morte é cercada pelas ondas do mar e pelas correntes do Atlântico, a Oeste, e pelas formidáveis montanhas Baines e Brandberg, a Leste. É um lugar onde os rios são apenas nomes num mapa e onde marinheiros naufragados morreram de sede a olhar para um oceano de água. No entanto, de alguma forma outras criaturas conseguem sobreviver por ali: focas e pássaros marinhos, como o corvo marinho, chacais e hienas que os atacam e, às vezes, caça grossa do Kakaoveld. Até leões já foram vistos em Angra Fria.
É um deserto temido pelos homens que melhor o conhecem. No entanto, aqui estava a maior caravana a chegar à Costa dos Esqueletos - nas mãos de gente que ingenuamente pensava ter deixado o inferno para trás, em Angola, e não tinha a menor ideia de que tinha um deserto infernal pela frente.
A maioria dos 201 refugiados veio dos portos pesqueiros de Moçâmedes e Porto Alexandre, no Sul de Angola. Poucos tinham sido vítimas, pessoalmente, de brutalidade militar. Mas tinham ouvido histórias repugnantes de assassinatos, estupros e pilhagens noutras áreas do país. E decidiram fugir para o Sudoeste Africano antes que chegasse a sua vez. Alguns escaparam poucos dias antes dos soldados chegarem a esses centros pesqueiros.
O plano inicial dos refugiados era lógico. Decidiram enganar os soldados que bloqueavam as estradas e esperavam a sua passagem para os saquear, evitando as vias principais e dirigindo ao longo da costa. No início, eram apenas uma fila de veículos em marcha em direcção ao rio Cunene, pelo que a primeira parte do êxodo não teve grande história. Só que, quando chegassem ao destino, na margem norte, não haveria qualquer ponte sobre o Cunene.
Por isso mesmo, Jorge Coelho, mecânico, tinha sido o primeiro a chegar ao local da travessia - com um camião carregado de soldaduras e peças pré-fabricadas para construir uma jangada. Soldou todas as peças ali mesmo, na margem norte, e ficou lá, durante quase um mês, enquanto grupos de refugiados iam chegando em carros e camiões. Um refugiado até rebocou um atrelado e um barco a motor para a travessia.
A jangada conseguiu transportar 61 veículos em segurança para o outro lado do Cunene. A seguir, afundou sob o peso combinado de um camião de 20 toneladas e um carro. Três outros veículos ficaram presos no lado errado do rio. Os 201 refugiados reuniram-se então na margem sul do rio, no Sudoeste Africano, e enviaram alguns batedores para fazerem o reconhecimento, mas que encontraram apenas o deserto e nada mais do que esperavam. A provisão de combustível também era muito reduzida. Mesmo assim, com uma fé cega nas autoridades do Sudoeste Africano, decidiram esperar e rezar por ajuda.
E quando Max Kessler caiu das nuvens naquela tarde de sábado, receberam-no como se ele tivesse acabado de descer do paraíso.
Max Kessler não ficou para celebrar com vinho. Havia 201 vidas a serem salvas e ele não queria ficar de “castigo” durante a noite e dormir ao relento num clima ameaçador. Disse aos angolanos para deslocarem o acampamento para longe do rio, para o caso de um ataque surpresa na margem norte, e descolou rapidamente, transmitindo pelo rádio o SOS que deu início à maior missão de resgate na Costa dos Esqueletos desde o naufrágio do Dunedim Star, em 1942.
Nem por um momento Max Kessler acreditou que fosse possível salvar todos aqueles veículos. A sua esperança era relativa apenas aos refugiados. Andava há 13 anos a navegar pela Costa dos Esqueletos e conhecia bem a sensação de se perder no seu próprio quintal. Tinha descoberto caminhos pelo deserto através de marcos como leitos de rios secos, barracos abandonados e, ocasionalmente, um navio encalhado. E não acreditava que a caravana alguma vez pudesse percorrer aquela imensidão de areia e mar.
Já o Coronel Koos Myburgh, chefe da polícia de segurança do Sudoeste Africano, homem de falas mansas, pensava o contrário. Ele também conhecia a Costa dos Esqueletos melhor do que a maioria - e conhecia-a a partir do terreno. Costumava fazer patrulhas motorizadas até a zona proibida dos diamantes. E sabia que a única saída para aquele comboio de refugiados era dirigirem pela praia durante a maré baixa – durante 300 quilómetros de areia.
De Windhoek, o coronel Myburgh e seis dos polícias mais duros do Sudoeste Africano fizeram a árdua viagem pela Costa dos Esqueletos até o acampamento no Cunene, ainda a tempo de verem o camião e o carro afundarem a jangada. Um de seus camiões tinha avariado no caminho, mas outros quatro dos seus veículos conseguiram chegar ao local com o combustível e a comida de que os refugiados precisavam. Os Angolanos aguardavam ansiosamente a chegada da polícia desde que um Shakleton tinha sobrevoado o acampamento e deixado cair um bilhete avisando que a ajuda estava a caminho. Por sua vez, os angolanos, tinham rabiscado na areia, em letras grandes, as palavras "pão e combustível", para que a polícia soubesse quais as suas necessidades.
O Coronel Myburgh percebeu logo à chegada que, se havia alguma hipótese de sucesso, teria que colocar alguma ordem no caos que reinava no campo de refugiados. Os Angolanos não tinham líder. Estavam divididos em pequenos grupos, cada qual pensando que sabia melhor como cruzar o deserto. Alguns planeavam conduzir camiões carregados pela areia fofa, sem nem mesmo reduzir a pressão dos pneus.
O coronel Myburgh também percebeu que a maioria dos camiões estavam demasiado carregados para haver qualquer esperança de vencer o deserto. Mas, ao mesmo tempo que sentia pena daquelas pessoas que haviam perdido a sua casa e o seu país, insistiu para que descartassem os seus restantes pertences. E se fosse difícil, decidiu, poderia chamar camiões do exército para ajudar a aliviar o peso.
Em desespero, os refugiados haviam viajado para o exterior levando quase tudo aquilo para que tinham arranjado espaço. Para eles, era como se fosse tudo o que lhes restava no mundo. Estes poucos pertences eram o que os separava da miséria absoluta na terra onde esperavam recomeçar a vida.
E foi desta forma que um pequeno camião partiu para o inferno que o esperava, rumando a Sul carregado com uísque angolano barato. Era a única riqueza que o proprietário tinha e, ingenuamente, esperava vendê-la na primeira cidade ao Sul da Costa dos Esqueletos. Se soubesse o que o povo do Sudoeste Africano pensa do uísque angolano, tê-lo-ia deixado para trás. Mas, pelo menos, poderia alegar ser o primeiro contrabandista de bebida da mortífera Costa… se a sede não o apanhasse a ele, primeiro.
Outro camião levava um reboque carregado com peças de carro baratas. E outro carregava milhares de rands em equipamentos elétricos e ópticos. Um velho levava farinha suficiente para fazer pão para um exército. Todos eles esperavam abrir uma loja quando chegassem aonde quer que fossem. Sempre com a esperança de que o destino não fosse num trecho de areia esquecido por Deus na Costa dos Esqueletos.
As mulheres trouxeram os seus cães, as meninas as suas bonecas e uma família vinha completa com os seus papagaios de estimação, que praguejavam como um soldado português.
João Jardim, gerente de uma empresa marítima de Moçâmedes e que falava bem inglês, foi eleito o líder dos refugiados e começou a organizá-los. A maioria falava apenas português. Mas houve uma surpresa. O Sr. Gerhardus Miljo cumprimentou o Coronel Myburgh num Afrikaans fluente. Era descendente dos Afrikanners que tinham viajado para Angola na Dorsland Trek (uma série de explorações rumo a Norte realizadas por colonos bôeres da África do Sul no final do século XIX e nos primeiros anos do século XX, em busca de independência política e melhores condições de vida). Desta forma, completava o círculo da sua própria história. Caçador e operador de safaris, o Sr. Miljo conseguiu escapar de Angola com a sua esposa e dois filhos ao pular para o camião de um amigo enquanto fugia de soldados bêbados. Saíram apenas com as roupas que vestiam.
“A situação com os guerrilheiros armados dos três movimentos políticos tornou-se impossível”, contou o Sr. Miljo. “Não importa se estamos marcados como amigos ou como inimigos. Qualquer um pode ser morto apenas por um capricho. O padrão usual para estes grupos armados é invadir um bar ou loja e beber tudo o que estiver disponível. Então, embriagados e assassinos, eles simplesmente vasculham as casas e propriedades mais próximas. Se interferirmos, somos mortos."
O Coronel Myburgh planeava colocar o comboio improvisado em marcha durante a maré baixa da manhã seguinte, uma quinta-feira, e os veículos foram alinhados e colocados em prontidão na praia. A primeira etapa previa-se que seria de 140 kms, até ao local escolhido para montar um acampamento nocturno, em Angra Fria. Agora, restavam os preparativos finais, como encher todos os recipientes disponíveis com água e tomar um último banho na única água doce até Swakopmund.
Uma família refugiada descobriu que não tinha recipientes suficientes para armazenar água. Assim, em desespero, esvaziaram três latas de gasolina e encheram-nas com água do rio Cunene. Nunca se acostumaram a beber aquela água com cheiro a gasolina.
A tão esperada manhã nasceu com uma névoa lúgubre e os refugiados empacotaram as tendas e roupas de cama nos veículos e esperaram tão impacientemente como se esperassem a descida de uma bandeira a sinalizar o início da corrida infernal pela Costa dos Esqueletos. Que, para alguns, nunca começou.
O senhor António Mendez foi um dos poucos refugiados que não conseguiu atravessar o rio com o seu camião depois da jangada afundar. Tomou então a difícil decisão de regressar à margem angolana do Cunene para tentar resgatar o seu camião por outro caminho. Ele sabia que corria o risco de ser baleado por soldados e que a decisão significaria sempre a separação temporária de sua esposa e dos dois filhos. Mas o camião era seu único bem valioso. Enquanto se juntavam à caravana, a esposa e os filhos, que choravam, sabiam que talvez nunca mais o vissem.
Agora, a coluna estava em marcha e para dois carros desportivos a estreita faixa de praia entre a maré baixa e a areia do deserto tornou-se uma pista de corridas.
Às vezes, a areia da praia era firme e plana e o Fiat verde e o Alfa Romeo vermelho depressa atingiam os 120 km/h. Armando Gouveia, no Fiat, e Pedro Nápoles, no Alfa, faziam a corrida das suas vidas. Uma corrida contra a maré e entre eles - e com duas lindas miúdas para impressionar.
Para Pedro Nápoles, em particular, foi também uma forma de se livrar do pesadelo angolano, tão nítido na sua cabeça. Pedro, um rapaz de 23 anos, estudante do quarto ano de medicina em Luanda, tentou durante muito tempo cuidar dos seus próprios problemas naquela capital dilacerada pelos conflitos. Mas a ameaça estava por toda a parte.
Primeiro, vieram os pequenos incidentes: “Ao conduzir o meu carro, ouvia um negro dizer: 'Ei, miúdo branco, vai para o seu país. Esse carro bonito vai ser meu'. De repente, parecia um pecado nascer branco. Depois, veio a questão política. Um negro aparece, aponta-me uma faca e pergunta: ‘Qual é o teu partido político?’ E se eu disser o partido errado, é o meu fim. Então, fugi. Mais tarde, dois negros quiseram o meu relógio e, quando os afastei, descobri que tinham uma faca. Mas tive sorte. O exército passou e disparou sobre eles, que fugiram."
Depressa havia muito poucos médicos para tratar os muitos feridos de guerra que chegavam ao hospital e Pedro, como outros estudantes de medicina, foi chamado. Nessa altura, nada mais fazia sentido e o próprio camião que os levava para o hospital foi alvejado. Mais tarde, explodiram bazucas no hospital e um médico, duas enfermeiras e três pacientes foram mortos. Foi um assassinato brutal e sem justificação. Às vezes, dava por si a tratar pessoas que conhecia, até amigos, com ferimentos de bala ou faca.
A gota d'água aconteceu quando um seu amigo próximo foi atingido a tiro num ombro enquanto conduzia. Em resultado disso, o homem, Álvaro Baptista, bateu com o seu carro e uma multidão frenética cortou seu corpo em pedaços, à catanada. Algumas mulheres tentaram queimar o cadáver nos destroços do carro e foi então que Pedro viu o que restava do amigo.
Decidiu juntar-se à namorada, Juza Nascimento, no então mais tranquilo porto de Moçâmedes. Mas a paz também não durou muito por ali. E agora, ali estava ele, com o pé no chão a apalpar a areia fofa - e sentindo que a Costa dos Esqueletos era o caminho para a liberdade. Os sentimentos de Juza Nascimento, sentada ao lado de Pedro, eram mais confusos. O seu pai ainda estava algures em Angola e ela não tinha ideia das condições de segurança em que ele se encontraria.
Descendo veloz pela praia interminável, às vezes com a parte de baixo do radiador a bater na espuma do mar, às vezes, inevitavelmente, atingindo um corvo marinho que secava na areia, Pedro venceu a primeira etapa até Angra Fria em pouco mais de três horas.
Ele não conhecia a história do abrigo de madeira abandonado pelo qual passou a alta velocidade quando corria em direcção a Angra Fria. Nem sequer avistou a caldeira de um navio meio enterrada ou a roda de um bombardeiro entre os destroços espalhados pela praia. Mas foi exactamente aqui que 43 sobreviventes do infeliz transatlântico Dunedin Star se abrigaram do sol e da areia, enquanto as tentativas para resgatá-los resultavam em desastres sucessivos. Primeiro, o rebocador Sir Charles Elliot naufragou em Rocky Point, mais ao Sul, enquanto tentava alcançar o navio encalhado. Depois, dois tripulantes morreram enquanto procuravam nadar para terra. A seguir, um bombardeiro Ventura atolou na areia e, mais tarde, caiu no mar durante a tentativa de resgatar sobreviventes. Estes foram finalmente salvos por uma caravana que chegava a Angra Fria vinda do Kakaoveld - mas não sem antes terem enterrado lembranças sombrias dos perigos da Costa dos Esqueletos, como uma dúzia de esqueletos sem cabeça que por ali encontraram, resultado de algum naufrágio anterior.
Com tristeza, a longa coluna de motoristas que seguia Pedro começava a perceber que o deserto não era uma via expressa para a liberdade. Armando Gouveia, de 22 anos, contabilista, também sentia a alegria da liberdade ao fugir de Angola no seu Fiat. Um de seus primos passou oito terríveis horas debaixo de uma cama enquanto tiros de espingarda varriam sua casa. Armando saíra de Angola com tudo o que tinha valor para o seu coração: a namorada, Idalina Alves, ao seu lado, e o seu Fiat. Como os Nascimentos, a família de Idalina também sentia falta do pai. Ele andava à pesca, no mar, na altura da fuga, e só podiam esperar que ele tivesse fugido para Walvis Bay de barco.
A condução de Armando Gouveia tinha sido implacável enquanto perseguia o Alfa de Pedro Nápoles… até atingir a areia fofa e atolar. Foi então que a maré enchente alcançou o carro, que deixou de pegar e terminou a primeira etapa ignominiosamente rebocado por um Land-Rover, pelos últimos 30 kms. Mais tarde, uma pedra partiu o pára-brisas e ele teve de pedir uma camisola extra emprestada para se proteger do vento extremamente frio do deserto.
Apenas oito dos 61 veículos que partiram para a primeira etapa de 140 km chegaram a Angra Fria ao anoitecer. Um acabou por ser rebocado por mais de 100 km ao longo da praia depois de avariar. Os outros pararam durante a noite, em pequenos grupos espalhados ao longo da costa.
O líder dos refugiados, João Jardim, ia bem até que chegou à areia fofa e atolou. A seguir, uma enorme onda rebentou sobre o carro, deixando-o, com a sua esposa, Liliana, e o bebê de 20 meses, Paulo, indefesos lá dentro. João contaria depois: "Quando senti a força daquela onda sacudir o carro pensei que era o fim. Mas um Land-Rover puxou-nos para fora antes que o mar nos voltasse a apanhar."
Carlos Gancho também avaliou mal o terreno. O seu carro foi atingido por uma imensa vaga e capotou, mas apenas o pára-brisas se partiu. Mas foi o suficiente para o nervoso Carlos saltar do carro aos gritos: "Estou morto!"
Notícia que a sua esposa recebeu com calma, fechada dentro do carro virado ao contrário.
Já o camião que transportava o afrikaner angolano Herhardus Miljio e a sua família nem sequer teve uma oportunidade contra o deserto. Parou depois de deixar o Cunene e lá ficou. A esposa e os dois filhos encontraram boleia noutros carros, mas durante algum tempo Miljio só conseguiu ficar de pé ao lado de um camião pesadamente carregado. A maioria dos camiões não foi muito longe, ficando 12 deles irremediavelmente atolados 20 km após a partida. Foi então que alguns refugiados começaram a perceber que as cargas que tinham resgatado de Angola estavam a conduzir os seus camiões para uma morte certa neste deserto.
Também ficou claro para os refugiados que não teriam tido qualquer esperança para aquela primeira etapa na Costa dos Esqueletos se não fossem os sete polícias do Sudoeste Africano que os socorreram. O líder dos refugiados, João Jardim, comentou quando a caminhada terminou: "Sem a ajuda do Coronel Myburgh e dos seus homens não poderíamos ter feito isto. Foi uma jornada terrível e sem eles estaríamos agora a morrer naquele deserto."
Cada um dos 201 refugiados tinha algo para agradecer à polícia. Os carros e camiões ameaçavam atolar para sempre na areia da praia que ficava macia sem aviso prévio. Na maior parte das vezes, os motoristas da caravana estavam muito ocupados a tentar vencer a maré e fazer com que os seus próprios veículos passassem em segurança para serem de grande ajuda para os outros. O coronel Myburgh e seus homens patrulhavam constantemente aquela praia deserta, para cima e para baixo, em veículos com tracção às quatro rodas. Às vezes, os carros apenas precisavam de um reboque. Outras, iam até ao fundo na areia e os polícias saíam e cavavam, empurrando até que as suas costas doessem. Era, quase sempre, uma corrida entre a polícia e a maré enchente.
Às vezes, um camião atolava repetidamente porque sua carga era muito pesada. Pacientemente, a polícia ajudava a descarregar e reembalar, porque algum refugiado teimosamente se recusava a desfazer-se das suas posses que, provavelmente, ser-lhe-iam inúteis no seu novo destino, de qualquer maneira. Era um trabalho exaustivo. Havia sempre um veículo atolado em algum lugar ao longo da costa infinita. Depressa os sete polícias suavam sob o clima que fazia alguns refugiados tremerem de frio. Mas foi a esse clima que todos ficaram gratos. Às vezes, ele velava o deserto com uma forte névoa marinha e arrefecia-o com ventos frios do mar. Caso contrário, estava apenas nublado.
Para os homens que conheciam a Costa dos Esqueletos, isso significava que não havia a ameaça imediata de serem fustigados por areia, que poderia facilmente acabar com a caravana. Nesse caso, nem mesmo a polícia poderia ter desenterrado aqueles veículos. Mas veteranos do deserto, como o sub-oficial Piet Coetzee, sabiam que se os retardatários da caravana não se movimentassem a mais de 40 km por dia, as temidas tempestades de areia acabariam por apanhá-los.
Felizmente, essas tempestades não se materializaram durante a corrida infernal pela Costa dos Esqueletos, mas a exaustão acabou por atingir Piet Coetzee, que nunca havia recuperado totalmente de uma explosão de mina na fronteira com a Zambézia.
Depois de lutar contra carros, camiões e areia durante dois dias sem reclamar, desmaiou repentinamente. Foi levado de avião para o Hospital Oshakati, do acampamento policial de Rocky Point, num helicóptero Super Frelon, da Força Aérea. O diagnóstico apontou para exaustão e pressão arterial baixa. No segundo dia do percurso, o Coronel Myburgh decidiu mudar de táctica para acelerar a jornada. Com poucas excepções, a caravana tinha-se movido muito devagar naquele sombrio primeiro dia. O Coronel decidiu pedir dois helicópteros Super Frelon para transportar as mulheres, as crianças e grande parte da bagagem para um local seguro.
Mais de 120 mulheres e crianças foram recolhidas na praia entre o Cunene e Angra Fria pelos gigantescos helicópteros que desceram pela névoa. Foram assim transportados até Angra Fria onde esperaram que um Dakota da Força Aérea pudesse levá-los mais para Sul, para a Baía de Mowe. Ali, foram recebidos por camiões do exército que esperavam no final da estrada deserta para os levar até ao campo de refugiados de Rooikop, em Walvis Bay, a cerca de um dia de distância de carro. Uma das mulheres grávidas, de oito meses, a Sra. Anna Belbutha, de 17 anos, foi transportada de Angra Fria para o Hospital Oshakati para dar à luz o seu bebê.
Cinco dias depois de deixarem o Cunene, a corrida infernal acabou para as mulheres e crianças. E enquanto se acomodavam em tendas e esperavam pelos seus homens, houve reuniões inesperadas com outros refugiados que haviam sido dados como perdidos. A família de Idalina Alves estava entre as sortudas. O pai, por quem ela temia, apareceu no acampamento vivo e bem. Foi um dos muitos pescadores que fugiram de Moçâmedes de barco, depois de descobrir que a sua família já se dirigia para Sul.
Para a família Nascimento não houve um encontro feliz. Continuavam sem saber do paradeiro do pai e a Sra. Nascimento usava óculos escuros para esconder as lágrimas.
De volta à praia, os homens puderam conduzir com mais leveza, agora que as suas cargas tinham sido reduzidas a metade e as suas mulheres e crianças levadas para um local seguro. No terceiro dia, todos, exceto os 12 camiões encalhados, tinham completado a primeira etapa, do Cunene a Angra Fria. Dois dias depois, chegaram ao acampamento policial de Rocky Point sem acidentes graves.
À noite, os homens amontoavam-se ao redor das fogueiras do acampamento para evitar o frio intenso do deserto. Nesse momento, agradeciam o abastecimento interminável de madeira flutuante trazida para a costa pelas fortes ondas do Atlântico. Foi também o momento de ligarem os rádios transistores para tentarem ter notícias da Angola que lhes havia virado as costas. Mas tudo o que conseguiram captar foram as monótonas transmissões de propaganda da Rádio Luanda, controlada pelo MPLA, que falava de uma brilhante vitória, paz, lei e ordem.
"Disparate!", foi como João Jardim descreveu as emissões. "Acabamos de fugir para salvar as nossas vidas e eles tentam dizer-nos que não há matança e roubo."
Era muito mais agradável desligarem os transmissores e reunirem-se ao redor do violão que chefe da segurança do Sudoeste Africano tocava, tentando entreter os refugiados com músicas country e western e canções folclóricas tradicionais.
Ao sétimo dia, a maratona sem estradas para descer a praia da Costa dos Esqueletos durante a maré baixa terminou. Restava apenas mais um dia de viagem por uma estrada de cascalho. Passaram pelas escavações de diamantes abandonadas em Torra Bay e Toscanini, pela colónia de focas em Cape Cross e, finalmente, pela pequena cidade turística de Swakopmund a caminho de Walvis Bay. Tinha sido uma longa e dura viagem até à primeira "aldeia". Alguns carros foram rebocados e alguns levantados até à carroceria de camiões do exército.
A jornada pela estrada desolada terminou quando os homens beijaram esposas e namoradas no campo de refugiados de Rooikop, oito dias depois de deixarem o Cunene. Mas para João Jardim e alguns outros refugiados, o pior choque ainda estava para vir.
Os homens chegaram ao acampamento imundos e desgrenhados. Não se lavavam desde o Cunene e alguns exibiam uma barba de um mês.
No entanto, foram rapidamente examinados por funcionários da Imigração, que decidiram que muitos deles não se qualificavam para permanecer no Sudoeste Africano ou na África do Sul. Infelizmente, isso era verdade no caso de muitos dos refugiados, que mal sabiam ler e escrever, quanto mais falar inglês. E havia urgência, pois o transatlântico de luxo Oceanic Independence estava à sua espera para despachá-los para Portugal.
A terrível decepção que tudo isso representou fez com que João Jardim gritasse em desespero: "Acabo de fazer a viagem mais terrível da minha vida para chegar a este país e agora não posso ficar. Em vez disso, disseram-me que posso ir para Portugal, uma terra que me é totalmente estranha. Significa que iria apenas de um país conturbado para outro. Vivi toda a minha vida em Angola e sou africano, não português ”, dizia João Jardim, acrescentando amargamente: "Se não posso ficar neste país, prefiro regressar a Angola, mesmo que isso signifique a morte."
 
 
Foi um final triste para a odisseia da Costa dos Esqueletos.

 

sexta-feira, 28 de outubro de 2022

Mutu-ya-Kevela, Samacaca, e a revolta dos bailundos no Planalto Central

 

 
 
No início do século XX , com a atribuição por Portugal aos ingleses de uma concessão por 99 anos para a construção e exploração do Caminhos de Ferro de Benguela, vista como uma ameaça das prerrogativas no controle das passagem das caravanas, a revolta dos bailundos não se fez esperar no Planalto Central, comandada por dois guerreiros: Mutu-ya-Kevela e Samacaca. As tropas de Samacaca avançaram rapidamente, matando muitos comerciantes portugueses e aprisionando outros. Quebara de pele de onça às costas era um homem temível. porém chegaram mais tropas , os lideres foram liquidados, e a tropa começou a apoiar novos sobas fiéis a Portugal, os "regedores de indígenas". Os ingleses recusavam-se a continuar as obras enquanto a zona não fosse pacificada. Aos prisioneiros brancos foi dado o destino que era habitual naquela época a qualquer inimigo derrotado em combate: Samacaca fez deles seus escravos. Outros vendeu a sobas aliados.
A este respeito, conta José Eduardo Agualusa, em
Uma história oculta de Angola
(...)
Consultat
aqui:
 
 QUEM FOI SAMACACA OU SAMAKAKA?

"...Houve, entanto, um homem, que não era rei, mas que estava ligado à corte do reino do Bailundo, que não esteve para meias medidas. Esse homem chamava-se Mutu-ya-Kevela, que quis pôr freio aos apetites desmesurados dos portugueses. Mutu-ya-Kevela viria a ser dominado e morto em 1902, muito antes do aprisionamento, na região do Bimbe, do seu conselheiro, Samakaka, famoso pelos seus conhecimentos de magia, utilizado, em vão, para ludibriar as forças portuguesas. Dali em diante, os portugueses tiveram um domínio total do “Reino” ao ponto de, por um lado, influenciarem nas sucessões ao trono e, por outro, mobilizarem os reis, agora convertidos em sobetas, para as suas missões mais bizarras como foi, por exemplo, a mobilização dos bailundos, sob o comando do rei Candimba para a chacina da população dos Seles."
Origem


"...Conta-se que a presença portuguesa na região viria a constituir mais tarde uma ameaça ao poder tradicional do Rei Ndala, tendo, em 1771, penetrado no Reino do Bailundo. Muitos deles, segundo o narrador, já se encontravam na localidade do Kandumbo, criando, de certo modo, um clima de instabilidade aos populares da área. Em consequência disso, uma grande batalha, comandada por Teixeira Moutinho, viria a ser travada entre soldados portugueses e as forças do Rei ao longo do percurso de Kilengues e Kalukembe, uma vez que a intenção era atingir Huambo.
A operação não foi tão fácil como parecia, uma vez que ao chegarem à localidade do Kuíma foram alertados sobre a presença do temível Soba Samakaka Samba Yo Londungo, facto que forçou os soldados a uma paragem. Ao receberem informações sobre a localidade e o Rei Livongue, decidiram reorganizar-se, tomando de assalto a Embala do Reino do Huambo a 21 de Setembro de 1902.
Posteriormente, avançaram para o reino do Kandumbo, travando uma violenta batalha que culminou com a morte do Rei Ndala e seu adjunto, pondo em causa os cinco reinos que constituem a região do Planalto Central.
Origem


O comércio com o interior foi rompido com a revolta dos bailundos. Começaram a queimar as lojas dos comerciantes no Bailundo, havia centenas de brancos mortos, os primeiros refugiados chegavam a Benguela. "Falavam no chefe, o terrível Quebera e seu amigo Samacaca. Como começara? Ninquém que sabia contar. Só que esse Quebera era um monstro, trazia uma pele de onça nas costas, dentes enormes que lhe saíam da boca a escorrer sangue. " (p.52) Mutu-ya-Kevela[17], pelos comerciantes chamado Quebera, em 1902 dominou toda a zona que era impensável uma caravana passar. Começou a guerra contra os portugueses. Os habitantes nas suas petiçoes inumeráveis pediam que o Governador tomasse medidas, mas a tropa parou numa distância segura. Os habitantes de Benguela escrevem uma petiçao ao Governador-Geral exigindo novo Governador em Benguela e mais tropa para pôr o interior em ordem. Mutu-ya-Kevela veio buscar o soba do Huambo para se unirem na luta contra os colonos, a escravatura, a posiçao inferior de serem só intermediários do comércio e contra o álcool que enfraquecia os homens. "Mesmo os sobas independentes sao escravos, escravos da borracha. (...) É preciso fazer muito milho, (...) nao ser intermediário do comércio da borracha." (p.54) Esta guerra foi pacificada só pelas tropas metropolitanas mandadas pelo governador-geral Pais Brandao, em Julho, matando Mutu-ya-Kevela bem como, em Outubro, o soba do Huambo. A guerra foi terminada mas as caravanas do interior nao chegavam e os negócios estavam no zero. Os responsáveis perceberam que era necessário que os indígenas participassem na administraçao. "A tropa começou nomear novos sobas, fiéis a Portugal. Lhes chamavam regedores indígenas." (p.69) A sua primeira tarefa foi reactivar o comércio com Benguela.

ORIGEM



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