VISITA À WELWITSCHIA
Em 1880, principiou Francisco Newton a sua exploração
em Angola, primeiro em Moçâmedes,
seguindo depois para o Giraul.
Em Julho visitou a região da Welwitschia
e as margens do rio Coroca.
Banha de Andrade
O Naturalista José de Anchieta
Feitas
as apresentações protocolares, damos um salto de quinze anos, partindo
para Angola. Continuamos a socorrer-nos de informação alheia, pois a
primeira carta de Newton é de 1885.
Eis
pois o que Júlio Henriques nos diz com toda a frankeza, em verídica
nota biográfica, e Bettencourt Ferreira confirma com a maior
originalidade (abrimos parágrafos para melhor leitura) -
O Sr. Frank Newton visitou algumas colonias portuguezas da costa occidental da Africa e ahi colheu plantas.
|
O
sr. Francisco Newton começou os seus trabalhos de exploração em 1880,
pelas colonias portuguezas da costa occidental de Africa.
|
Começou
os seus trabalhos de exploração em 1880, principiando em Mossamedes,
seguindo para o Giraul, visitando em julho a região da Wellwitschia e as margens do Rio Coróca. [1]
|
Ahi herborisou muito, seguindo para Giraul e visitando em julho a região da Welwitschia e as margens do Coróca.
|
Em agosto, seguindo para o interior, passou por Giraul, Pedra Grande, Monhino, Capangombe.
|
Em agosto, seguindo para o interior passou de novo por Giraul e foi a Pedra Grande, Monhino e Capangombe.
|
N’este
mesmo anno herborisou no Bumbo, subiu á Serra de Chella, foi á Huilla,
ao arraial de Cayonda, ás povoações de Maconjo, Tampa e aos terrenos
calcareos de Quitibe e Pomangala.
|
No
mesmo anno ainda herborisou no Bumbo, subiu á serra de Chella, foi á
Huilla, ao Arraial de Cayonda, ás povoações de Maconjo, Tampa e aos
calcareos de Quitibe e Pomangala.
|
De Mossamedes seguiu por mar para Porto Alexandre, e d’ahi foi de novo em janeiro de 1882 ao Coróca.
|
De Mossamedes seguiu para Porto Alexandre e d’ahi voltou ao Coróca, em Janeiro de 1882.
|
Em abril partiu para Humpata e foi na companhia do padre Duparquet até ao Humbe, seguindo por Chimpumpunhime, Hai, Gambuc, visitando os morros do Tongo-Tongo, de ferro magnetico, e Xicussi na margem do Caculo-Bale.[2]
|
Em
abril d’este anno partiu para Humpata, acompanhado pelo padre
Duparquet, foi ao Humbe, seguindo por differentes terras até aos morros
de ferro magnetico de Tongo-Tongo.
|
Do Humbe seguiu com uma expedição dirigida por Erikno
para caçar elephantes e avestruzes ás margens do Cunene até Camba,
Mullondo e Quipundo, indo então ao paiz dos Otchiaviguas, d’onde se
dirigiu para as cataratas do Cunene, voltando em agosto a Mossamedes.
|
Do Humbe seguiu com uma expedição dirigida por Eriksson, discípulo de Anderson, para caçar elephantes e avestruzes, pelas margens do rio Cunene até Camba Mullondo e Quipundo[4], visitando o paiz dos Otchiaviguas, d’onde tomou a direcção das cataratas do Cunene, e voltou em agosto a Mossamedes.
|
Em setembro voltou ao Humbe e atravessando o Cunene chegou até Donga[3].
|
Esteve oito mezes no sertão, sem poder dar noticias. Tendo sido mortos apenas 40 elephantes e 22 avestruzes, a expedição cinegetica retirou descoroçoada, atravessando a Ovampia e o Damaraland.
No setembro seguinte voltou ao Humbe e atravessou o Cunene até Donga.
|
Em outubro, atravessando de novo o Cunene, encontrou-se com Lord Mayo, em cuja companhia foi até Mossamedes.
|
Em
outubro fez de novo a travessia do Cunene e regressou a Mossamedes
junto com a expedição de lord Mayo, inglez rico e excentrico
aventureiro, que concebera a mania de matar todos os leões d’Africa.
|
Em
1883, não chegando a bom caminho uma expedição belga á qual se tinha
aggregado, apenas colligiu plantas em Giraul, Monhino e Biballa.
|
Em
1883, agregou-se a uma expedição belga, que não foi levada a exito, por
isso o explorador limitou-se a collecionar plantas em Giraul, Monhino e
Biballa. […]
|
Vê-se
que não foi pequena a area explorada, e que a collecção formada deve
offerecer interesse consideravel. O catalogo das plantas colhidas será
publicado ao passo que forem sendo estudadas. Na parte que hoje é
publicada são já mencionadas algumas especies novas.
|
De
regresso á costa, fez uma digressão á ilha de Santa Helena, onde se
demorou um mês e voltou a Angola, para fazer parte da expedição belga de
Edmond Elssen. As febres obrigaram-n’a a retroceder; Elssen suicidou-se
no delirio febril e Newton teve de seguir para o Congo, subindo com Van
de Velde o grande curso fluvial. Viu Stanley e foi obrigado a vir á
Europa por doença (1884).
|
Henriques (1884) |
Ferreira (1895)
|
As
plantas coligidas por Newton, entre as quais havia novas para a
ciência, foram classificadas por estrangeiros: Hoffmann, Nordstedt,
Saccardo, Berlese, Nylander, Winter, Flahault, Wittrock, Hackel, Ridley,
A. Cogniaux, Baker, etc., faltando o mais natural - o botânico
Duparquet.
Convenhamos
em que não foi pequena a viagem porque, entre 1880 e 1883, Newton
conseguiu explorar Moçâmedes e Huíla, Cabo Verde, Dakar, Canárias,
Bolama e Orango nos Bijagós, Freetown, S.Tomé, Ilha do Príncipe,
Fernando Pó, Zaire, Congo, Cabinda, Ambriz, Catumbella, Timor, Ovâmpia e
Damaralândia.
Há algo de muito importante por aqui: a descoberta da osga sem garras, Hemidactylus greeffii, no Príncipe, antes da descoberta de Greeff.
Isto
no geral dos três anos, porque no particular da estrada de Moçâmedes à
Huíla, o que temos em cena é um comerciante, a fazer sempre o mesmo
percurso, a passar sempre pelas mesmas terras, por estarem ali
estabelecidos os fornecedores e os clientes. O explorador, por
definição, explora, isto é, anda sempre à descoberta de novas terras,
novas gentes, novas espécies, por isso avança para o desconhecido, não
passa a vida na mesma região, a andar para trás e para diante.
Pena que, nas Viagens pela Cimbebásia, Duparquet
não faça referência a Frank, nem a Nevvton, nem a Reesetán Fernandes da
Silva. Duparquet, missionário espiritano, nascido na Normandia, entre
as viagens ao Congo, a Zanzibar, ao Cabo, à Damaralândia, à Huíla, etc.,
veio várias vezes a Lisboa, fundou a Casa do Congo, em Santarém, e as
meninas dos seus olhos, as missões do Congo e da Huíla, inaugurada esta a
23 de Junho de 1882.[5]
O
facto é algo estranho, por isso não se desenrolou sem incidentes
diplomáticos: missões fundadas por estrangeiros em território português,
sem aviso nem autorização, violavam o direito de padroado. Este foi um
dos problemas que se levantaram na questão do Zaire.
As potências estrangeiras interessadas em colonizar África começavam
por enviar missionários, era uma primeira forma de ocupação, a que se
seguiam os exploradores e depois os militares. O direito de padroado é
objecto de largo historial por parte de Luciano Cordeiro, que não fala
de Duparquet, mas se refere aos missionários franceses do Espírito
Santo.
A
5 de Outubro de 1881, Duparquet embarcava em Lisboa com Padre José
Maria Antunes e outros Irmãos. Tinha vindo resolver as pendências legais
motivadas pelas suas andanças pela Huíla, em especial participar numa
reunião em que estava presente J.V. Barboza du Bocage, presidente da
Sociedade de Geografia de Lisboa. Padre Antunes é um colector de plantas
a quem os botânicos dedicam espécies novas, entre elas a quimérica Newtonia que muda para Antunesia.
Padre Antunes fora aluno de Duparquet e em Braga dava aulas de
Introdução à História Natural no ensino secundário. Partia agora como
pároco, para salvaguardar a nacionalidade portuguesa da missão da Huíla,
pois em 1885 tornava-se Superior da Missão, já Duparquet morrera.
Atravessam o deserto de Moçâmedes, sobem a Serra de Chela e alcançam a
Huíla a 7 de Dezembro. À chegada, verificam que os boers se tinham
apropriado de todo o território, não sobrando nada para a missão[6].
Arrasadas as margens dos ribeiros Palanca e Mucha, subtraíam o que mais
interessava aos padres. Entram em litígio com eles até conquistarem
1.500 hectares cercados pelo Mucha. “A Missão da Huíla ficou com cinco
léguas de circunferência, estendendo-se até ao palácio real[7] situado nas proximidades da vila, apenas a vinte minutos da fortaleza e da igreja", escreve António Brásio S.Sp. e flora Lubango,
Ali
os padres espiritanos introduziram as mais variadas espécies exóticas,
susceptíveis de originarem novas espécies, como de resto sempre foi
hábito do Homem, nas suas deslocações: arroz, sorgo, macieiras,
pessegueiros, damasqueiros, marmeleiros, alfarrobeiras, laranjeiras,
romeiras, figueiras. Lançaram à terra 15 variedades de trigo, 8 de
aveia, 4 de cevada, 16 de ervilhas e 49 de batata. Na propriedade da
Mucha havia tanques para criação de peixe[8],
pois era necessário “fazer um paraíso terrestre”. Além desta
propriedade, os missionários ainda compraram mais duzentos hectares para
construção da Nova Atlântida, tarefa em que afinal foram ajudados pelos
boers, que até se prestaram a transportar os materiais.[9]
Esta nova propriedade chamava-se o Munhino, local de colheita de
Francisco Newton, que Frei António Brásio, das Missões do Espírito Santo
de Viana do Castelo, autor em que bebemos estas informações, para nosso
pesar se esquece de referir. Ficava a uma hora da Huíla e era servida
pela estrada em construção que ia daí a Moçâmedes. Quarenta pessoas
foram logo empregadas como pedreiros, carpinteiros, tijoleiros, etc., e a
28 de Setembro de 1882 estava já acabado o segundo corpo de
construções.
Daqui
passaram à Mucha. Avançam com colégio, seminário, etc., pelo que estes
santos homens não tiveram um minuto disponível para outras obras que não
fossem de arquitectura[10] e assentamento de pedras para erguer as colunas do Templo de Salomão,
na Nova Atlântida angolana. É o que anota o próprio Padre Antunes, em
carta de 28 de Setembro, chamando a atenção para a cabala da
numerologia:
Êste
ano construímos já a primeira linha de edifícios compreendendo 6
quartos de cerca de 3 metros quadrados cada um; tudo isto se fez em 4
meses. Mas que de trabalho! Era preciso arrancar a pedra nas pedreiras
improvisadas, fazer o tijolo aqui mesmo, ir cortar a madeira à floresta
que fica afastada e por nossas mãos (Brásio).
Em fins de Outubro de 1882, Duparquet achou-se entre a vida e a morte, a braços com uma grave doença pulmonar,
diz Gastão Sousa Dias. Em Dezembro, a Missão recebia a visita do Bispo
D. José Neto, após a do governador-geral, Ferreira do Amaral.
Não
há aqui espaço para longas viagens, com o fim de iniciar Newton na
botânica. O discípulo de Duparquet é o Padre Antunes, não F. Newton.
Humpata, Huíla, Humbe, Otchiaviguas, Ovampo, Damaraland, itinerário
traçado por Júlio Henriques e Bettencourt Ferreira, corresponde à
expedição de Duparquet de 1880, em sentido inverso. De modo geral,
quando alguém põe Newton face a outrem, surge uma imagem invertida e/ou
anacrónica. De notar também que esta região corresponde à explorada por
Welwitsch.
A
viagem de 1880 é a que força o missionário a vir a Lisboa explicar-se.
Obtém licenças sob condições para criar a missão, entre elas a de ficar
sob jurisdição da Igreja portuguesa, e de incluir padres portugueses. O
problema da ocupação de território pelas missões estrangeiras deve-se em
primeiro lugar, diz Luciano Cordeiro, a nós não termos missionários.
Na
realidade, a expedição à Huíla era uma coluna armada de caçadores que
escoltava emigrantes boers. Segundo uma estatística publicada no Boletim oficial de Angola, em Julho de 1883 havia 461 estabelecidos na Humpata, no planalto da Huíla, considerado a melhor região de Angola.
Duparquet viajava num vagão boer[11]
puxado por 14 bois, com altar dentro onde celebrava - templo e altar
portátil, que reencontraremos, porém sem os bois, na escalada ao Pico de
Clarence. Partiram do que hoje é a Namíbia e mais caravanas de
caçadores foram-se agregando a eles pelo caminho. Com Duparquet ia
também o explorador sueco Erickson, próspero negociante da Damaralândia,
estabelecido em Omaruru. Ia caçar elefantes e avestruzes, como declaram
Henriques e Ferreira. Levava um jovem consigo, que pretendia iniciar na
vida de caçador. Quer no diário de Duparquet quer no prefácio de Gastão
Sousa Dias, tradutor, ocorrem misteriosos erros, quando se trata do pai
do jovem, o explorador Andersson.
No prefácio, Sousa Dias afirma que no carro de Erickson viajava ainda um rapaz, filho de Anderson[12], que desejava visitar a campa de seu pai, falecido nas margens do Cunene, a 4 de Junho de 1867. No diário, publicado pela primeira vez em 1881, escreve Duparquet -
Segunda-feira, 14 de Junho [1880]
Os
primeiros membros da expedição tinham-nos já tomado a dianteira. Os
três últimos carros deixaram igualmente Omaruru, na manhã de 14 de
Junho. Um destes vagões era o meu; o segundo era ocupado pelo snr.
Jordan, inglês do Cabo, que tinha negociado com o governo português o
estabelecimento dos Boers na Província de Angola e desejava ser ele
próprio a introduzi-los na terra prometida; o último carro era o do snr.
Erickson, que levava consigo o jovem Anderson,
filho do célebre viajante deste nome, morto perto das margens do
Cunene, há sete anos. Fora o próprio snr. Erickson que lhe havia
assistido aos últimos momentos, e o havia enterrado à margem da estrada
que leva do Cuanhama ao Cuambi. Só ele conhecia o lugar dessa campa
solitária; e, ao iniciar o rapaz na vida de caçador, queria
proporcionar-lhe a consolação de poder rezar sobre o túmulo do seu
ilustre pai.
Duparquet
dá como ano da morte 1873. Não é um primeiro erro, sim segundo,
contando com o de Sousa Dias. Páginas adiante, o Reverendo mete
completamente os pés pelas mãos:
Domingo, 4 de Julho
Esta manhã o jovem Anderson partiu com o snr. Erickson para visitarem o túmulo de seu pai, morto neste dia, há 17 anos, em 14 de Julho de 1863. O célebre viajante tinha, no dia 13 de Junho,
alcançado o Cunene, muito provàvelmente ao norte do Humbe. Durante
quatro dias esperou em vão que os indígenas o transportassem em canoa
para a margem oposta. Partiu então de novo para o Cuanhama, de onde saiu
alguns dias depois, já muito doente, em direcção ao Cuambi. A 2 de
Julho, percebendo que a sua última hora estava próxima, preparou-se para
morrer e fez com que o snr. Erickson lhe lesse repetidas vezes os
salmos apropriados à situação. Mas só veio a expirar dois dias depois,
ao cabo duma penosa agonia. Sem ter qualquer outro instrumento além duma
“catana”, o snr. Erickson conseguiu abrir uma cova, onde depositou os
restos mortais do intrépido viajante.
Duparquet comete outro erro, não relativo a Andersson, sim à cronologia do seu próprio diário - neste dia 4-14; quarto erro - morto a 14 de Julho;
quinto erro - há dezassete anos; sexto erro - em 1863. Esclarecimento
em rodapé, do mesmo Sousa Dias que já informara ter Andersson morrido a 4
de Junho: “Há engano nas datas: Anderson faleceu em 4 de Julho de 1867”.
Podia este lobinho[13] ser Francisco Newton? Ou a Francisco foi atribuída a biografia do jovem Andersson, tal como se lhe atribuiu a biografia e a Newtonia do Padre Antunes?
As
aves coligidas por Erikson/Eriksson no interior de Moçâmedes foram
determinadas por Trimen, conservador do Museu do Cabo. Em 1882, acabara
de sair a publicação, em que figurava uma nova espécie, dedicada ao
explorador, Cinnyris erikssoni, a qual motiva algumas considerações a Bocage (1882).
Se Erikson queria que o jovem rezasse na sepultura do pai[14] no dia da morte deste, a 4 de Julho, precisava de ter partido dez dias antes. Se é verdade que partiram a 4 de Julho, então morreu a 14.
Mas só por corvo tipográfico alguém morre no dia da Tomada da Bastilha,
num relato em que as datas estão todas trucadas. Só por milagre alguém
morre no dia da Declaração da Independência dos Estados Unidos, quando,
sabem todos os que se interessam por estas coisas, em ambos os processos
políticos está a mão da maçonaria.[15]
A
Damaralândia fazia parte de Angola. Esta expedição, que parece a tomada
da Huíla pelos boers, o que estaria de acordo com a política
portuguesa, afinal foi a tomada da Huíla pelo missionário, o que tanto
incomodou o governo português que, quando chegou a casa, tinha lá uma
carta a pedir-lhe explicações. Duparquet não teve outro remédio senão
apanhar o primeiro paquete e apresentar-se em Lisboa.
Com
a Missão do Congo, Angola foi atacada pelo norte. Com a da Huíla, foi
atacada pelo sul e perdemos para os alemães todo o território a sul do
Cunene. Os portugueses conheciam estes factos, como demonstra um ofício
do governador de Angola para o ministro da Marinha, com a nota de
confidencial, na qual transcreve dois parágrafos de uma carta de Ivens e
Capelo, escrita após a sua visita à Missão da Huila, na qual nenhum
juvenil Francisco Newton os acompanhava, a menos que tivesse ido na
qualidade de membro do Colégio dos Invisíveis. Chama a atenção do
ministro para o tom em que vem escrita:[16]
Em
relação ao padre Duparquet permitta-me V.Exª que eu transcreva dous
periodos que os dous exploradores me mandaram em forma de telegramma,
n’uma carta:
“Temos
estado aqui com o Duparquet - Finório! A missão da Huilla está muito
desenvolvida: fomos recebidos com a maxima attenção pelo padre
Duparquet. A respeito deste sotaina que é quem dirige a manobra toda na
missão, falaremos com mais vagar. Parece importar-lhe muito os nossos
limites para Leste.”
Tal
como a conquista da América, a partilha de África fez-se com grupos de
meia dúzia de pessoas e até indivíduos isolados. Stanley deu à Bélgica o
Congo Belga, Brazza deu à França a outra metade do território que nos
interessava.
Depois
de visitada a Huíla, Duparquet regressa a Omaruru. Erickson, com o
jovem acabado de iniciar, prossegue a caçada para norte, atravessando a
região dos bosquímanos. Perto das Amboelas descobrem muitos elefantes,
mas a região é de tal modo arborizada e pantanosa que a caça é
dificílima. Não se refere a morte de nenhum elefante, sim a de membros
da caravana. Descoroçoado, sem nenhum dos quarenta elefantes de que fala
Ferreira, volta a Omaruru, conta o missionário, que não estava lá para
ver. Dufour, Vanzyl e outro boer persistem na caçada. Vanzyl é
assassinado por um hotentote, diz o missionário, que já ia na
Damaralândia. O explorador francês Dufour fica com os bosquímanos que
tomara ao seu serviço, e também ele será assassinado, agora pelos
ovampos, diz o missionário, que nesta altura já deve estar a ler a carta
de Lisboa. Erickson recolheu os seus papéis, mas nem corpo nem roupas
foram encontrados,[17] conta o bom missionário, já no paquete em que veio prestar contas a Portugal.
O tenente Boyd Alexander, amigo de Newton, também foi assassinado, diz-se que pelos sudaneses.[18]
O polaco Rogozinski, cuja mensagem Newton (não) recolheu no Pico de
Santa Isabel, caiu numa emboscada nos Camarões, quando procurava uma
fatia de terreno ainda sem autoridade europeia. Salvou-se da morte, não
porém da prisão, porque afinal sempre havia por ali uma autoridade
qualquer, possivelmente alemã (Unzueta).[19]
Morrem muitos exploradores e missionários em África,[20]
e quase só morrem de malária ou assassinados pelos nativos. Newton foi
vítima de uma tentativa de envenenamento nos Angolares, conta ele. O
padre superior da missão de Ano Bom, que tanto o ajudara a semear e a
colher, também morreu, por coincidência logo a seguir a isso.
Se
Newton andou pela Huíla, conheceu Duparquet, até porque os exploradores
se alojavam nos fortes, nas roças ou nas missões. Mas conheceu-o depois
de 1883. Porém, como Duparquet morreu no ano seguinte, e Newton, em
1883, não saiu do Giraul, de Monhino nem de Biballa, em Moçâmedes, só o
pode ter conhecido como nós, de literatura.
Os
relatos de exploradores conquistaram um público ávido, por isso
alimentaram jornais e fizeram o espantoso sucesso do jornalista Stanley.
Mais: como o espantoso sucesso de Stanley o levou à chefia da
Associação Internacional Africana, diremos que a literatura de viagens é
a causa primeira da fundação do Estado Livre do Congo.
O
contexto em que ocorrem as gralhas relacionadas com F. Newton (Eça
faria dele tipo de Portugal em África) é o da literatura que vai
narrando o destino do continente negro ao ser retalhado pela ganância
das potências europeias. Literatura de viagens e oficial. Portugal
deixou-se apanhar de surpresa enquanto curtia a doença do sono em
Cassoneca (Luanda). Quando acordou, já o tinham ultrapassado.
Newton
chegou tarde à Huíla, a toda a parte. Quando vai para Timor e Guiné, já
Portugal, na bancarrota, queria vender Moçambique, Guiné e Timor:
Apenas
uns annos passaram sobre o inolvidavel ultimatum inglez e mais de um
historiador terá escripto e com verdade que elle foi provocado.
Insinua-se que o povo não sabe e que não se trata sequer de venda, sim
de pagamento de dívidas às companhias de Cecil Rhodes: “Disso só se faz
mysterio para o povo porque exactamente é elle que não tem relações nem
dividas nas agencias financeiras de Cecil Rhodes”.[21]
Para ser pontual, Newton precisava de ter andado nos lugares onde se diz que andou, muitos anos antes. O nome Newton não refere sempre o Francisco, não aponta uma pessoa, sim um tipo e uma situação social. Funciona como eixo de private jokes, algo no género do Capitão Boteler, cuja carta de Ano Bom só registava um curso de água:
- O Venerável Irmão já sabe a última?
- Sim, sim, o nosso Newton conseguiu infiltrar-se em Palla Balla e obter uma cópia do contrato do Van de Velde com o soba…
- Esse Vivi saiu-me cá um vivaço! Então e aquela do Titanic, é de mais!
- Mas nada que se compare à tomada do paquete Santa Maria!
- Para mim, a melhor do Newton foi o desvio dos planos do pirelióforo do Padre Himalaia!
- Sim, mas fazer a Rocella do duque de Montagu montar não sei que rosa para a descendência dar na Welwitschia mirabilis, é um achado! A fanerogâmica aprendeu a cabala fonética... Veja o retrato, até ficou encolhida...
-
Não há nada como a experimentação, os Superiores Desconhecidos sabem o
que fazem… Um dia destes mandam o Newton acasalar pinheiros com
elefantes…
- Ah, sim, o nosso Vigilante, mesmo sem engenhocas, mete o James Bond num chinelo!
Welwistchia mirabilis, segundo Hooker
Se
repararmos na nota de Júlio Henriques, ele não disse que Newton tinha
andado com Duparquet, nunca menciona o Francisco, sim um tal Frank[22], bem como não fala de Erickson, sim de um certo Ericno[23]. Por último, não sabemos onde se localiza a região da Wellwitschia,
nem quem é tal senhora, a menos que vamos ao catálogo de plantas, pois
lá encontramos a notícia de que F. Newton coligiu o líquene Rocella Montaguei[24], do deserto de Moçâmedes, encontrado sobre a Welwitschia mirabilis. Henriques não diz que F. Newton esteve no deserto de Moçâmedes, sim que obrigou a Rocella do deserto de Moçâmedes a sair de cima da Welwitschia.
Referimos já que Júlio Henriques era correligionário de Teófilo na Academia de Ciências de Portugal. Nos Trabalhos da Academia vem um artigo dele sobre a Welwitschia mirabilis,
em que fala de Welwitsch, J. J. Monteiro e outros colectores da planta.
Porém, e não saberíamos explicar porquê, esquece-se de Francisco Newton
(Henriques, 1908).
Banha de Andrade, com a nota biográfica de Henriques à frente, precisa que Newton, Francisco, visitou não a Welwitschia nem a Wellwitschia, sim a Wellmitschia, e que os lugares percorridos foram os mourros de Tongo-Tongo, agora sem ferro magnético.[25]
Felizmente,
Bettencourt Ferreira corrige os erros, mas note-se que no segundo
artigo (1897) deixa claro que o Chico “visitou a Welwitschia”, não o
deserto de Moçâmedes. Nós costumamos visitá-la na escada do Laboratório
do Jardim Botânico de Lisboa.
Gralhas
Bernardino
António Gomes (1870), comentando com muitos elogios a obra que
Welwistch acabava de publicar em Londres, sobre os resultados da sua
exploração de Angola, Sertum Angolense, começa por considerar Angola e Benguela a Guiné Portuguesa, e remata da mesma maneira geográfica: "O
Sertum angolense é pois mais uma valiosa contribuição para o
conhecimento da Flora da Guiné, que temos a ajuntar a todas as outras
que são devidas ao seu digno auctor, o dr. Fr. Welwitsch...".
[1] Além
de Welwitsch, quem visitou a Welwitschia, porque a sua missão incluía o
deserto de Moçâmedes e saber se o curso do Coroca tinha ligação com o
Cunene, foram Capelo e Ivens, como eles próprios contam em De Angola à Contracosta.
[2]
Júlio Henriques parodia Capelo e Ivens. Por sua vez, Ferreira parodia
Henriques e desenvolve as suas tiradas. Segundo rodapé de Capelo e
Ivens, o topónimo Caculovar é corruptela de Caculo-Bale.
Ninguém usa tal redacção, só a conhecemos destes dois textos. Os locais
correspondem à expedição de Capelo e Ivens em 1884, misturados com
escalas de outros exploradores. As missões em África tinham muitos
opositores. A ala liberal nunca foi colonialista, apoiava as
independências.
[3] Na Donga (Etocha), Capelo e Ivens depararam com uma lagoa de água salgada. Donga fica muito longe para Newton a ter alcançado.
[4]
Estas localidades correspondem a etapas da exploração de Brochado
(1850) e nem se trata das outras, interiores ao relato, sim das que se
exibem no título: Terras do Humbe, Camba, Mulondo, Quanhama, e outras.
Capelo
e Ivens iniciam a travessia de África de 1884 por Moçâmedes, seguem
pela Huíla, descem o rio Caculovar até ao Humbe e prosseguem até Quiteve
pela margem direita do Cunene. Anchieta também explorou o Humbe. Antes
deles e de Welwitsch, o pioneiro da exploração de Moçâmedes, Huíla,
Bumbo, Cunene, Giraul, Cubal, etc., fora Gregório Mendes, no final do
século XVIII. Quanto ao enigma da foz do Cunene, invisível por no tempo
seco as águas se infiltrarem nas areias e nem chegarem ao mar, só em
1854 Fernando Leal a descobriu.
[5]Marco privilegiado pela maçonaria, que se designa em geral por Maçonaria de S. João.
[6]
Os boers eram os holandeses de Orange e do Transval, então em guerra de
independência com os ingleses. A decisão de povoar com eles o sul de
Angola não foi do agrado geral. Em 1883, Pinheiro Chagas, ministro da
Marinha e Ultramar, tentará minorar o perigo da sua presença em Angola
com colonos madeirenses. A primeira leva ocupa o Lobango, em 1885, onde
funda a colónia Sá da Bandeira. Ora o Lobango é um dos locais de
colheita de Newton em situação de ubiquidade (Errática).
[7]
Palácio de Salomão, sede de um Grande Oriente. A repartição das
instalações corresponde ao cumprimento da regra segundo a qual são
precisas pelo menos três lojas para o seu estabelecimento.
[8]
Como na Nova Atlântida, de Francis Bacon. Criação de peixe para
povoamento de rios - é o que também acontece em S. Tomé com os peixes
americanos.
[9] Tal como os tírios transportaram para Jerusalém o cedro, os operários do Templo e forneceram o arquitecto a Salomão, Hiram.
[10]
O objectivo da maçonaria é a construção (do Templo), privilegiada a
arquitectura, daí que Deus se designe por Grande Arquitecto do
Universo.
[11]
O carro de bois foi introduzido em África pelos boers. Eram veículos
cobertos, com aparelho especial, pois chegavam a ser puxados por quinze
parelhas de bois. Próprios para caravanas, eram usados pelos militares,
por isso certos exploradores viajaram neles, como Capelo, Ivens e Serpa
Pinto. Quando os caminhos terminavam, por vezes a caravana parava
durante meses, para abrir uma estrada. Serpa Pinto, em Como eu Atravessei a África,
descreve-o: “O wagon de viagem em África do Sul é uma pesada construção
de madeira e ferro, de 6 a 7 metros de comprido por 1,8 a 2 de largo,
assente sobre 4 fortes rodas de madeira e tirado por 24 a 30 bois,
jungidos a fortes cangas, presas a uma corrente e grossa, fixa à ponta
do cabeçalho no carro.”
[12]
Trata-se de uma gralha, com o fim de confundir identidades, que muitos
cometem: James Anderson, pastor presbiteriano e doutor em Teologia, em
1721 foi encarregado pelo duque de Montagu de examinar a história dos
pedreiros-livres, daqui resultando a Constituição Maçónica - The Constitutions of the Freemasons, etc. (Oliveira Marques).
[13] Lowtons são os menores, filhos de maçons falecidos, instruídos e iniciados pelos outros maçons.
[14]
Duparquet assevera que só Erikson conhecia a campa de Andersson, o que é
natural, se fora este a enterrar o Irmão. Faz parte das normas que,
quando um rosa-cruz morre no estrangeiro, a sua campa deve permanecer
secreta.
[15]
Ambas as datas, 4 e 14 de Julho, bem como as relativas aos dois S.
João, geralmente são as escolhidas para inaugurar novas lojas.
[16]
Carta do governador Francisco Joaquim Ferreira do Amaral para o
ministro da Marinha, Luanda, 14 de Junho de 1884. Arquivo Histórico
Ultramarino. Pasta 5 das Explorações Científicas e Comerciais.
[17] Segundo parece, pela segunda vez Erikson enterra um Irmão, deixando a campa secreta, como é da regra.
[18] Em Hazevoet lemos que se tratou de um acidente: Boyd Alexander was killed in a tragic accident near Darfur in April 1910. Alexander viveu na Costa do Ouro, onde integrava o corpo da Polícia.
[19] Errata: nos Carbonários,
por um erro interpretativo, decláramos Rogozinski morto nesta
emboscada. Como se nota agora, sobreviveu. A fatia de território
procurada não tinha por fim o estabelecimento de uma colónia polaca em
África, sim de uma roça para cultivo particular de cacau. Encontrá-la-á
em Fernando Pó, e nós encontrá-lo-emos a escalar o Pico em 1860, em 1884
e em 1894, o que mostra a sua extraordinária resistência numa ilha de
clima doentio.
[20]
"Missionários estrangeiros envenenados no Zumbo (Moçambique).Dois
morreram e um ficou em perigo", lemos por acaso no Diário de
Notícias de 4 de Junho de 1895.
[21] O Seculo Negro, 5 de Novembro de 1895.
[22]
No dia 31 de Dezembro de 1881, Frank Newton, na Secretaria do Governo
de Moçâmedes, tratava de qualquer documento, pelo que pagou $185 de
emolumentos (Boletim Official de Angola).
[23]
São gralhas próprias da cabala fonética, tal como Nevvton, Reesetán,
Anderson em vez de Andersson, etc., cujo resultado é a confusão de
identidades, o que obedece ao propósito de manter incógnitos os nobres
viajantes.
[24] Rocella de Montagu. O duque de Montagu está na origem da Constituição Maçónica.
[25] Em De Angola à Contracosta, Capelo e Ivens decifram o enigma dos morros de ferro magnético: o Tongotongo é um morro, no Hai (Huíla). Abundava por ali o
sesquióxido de ferro magnético, … encontrando-se grandes massas de
magnetite, que produzem sobre a agulha os mais extraordinários desvios.
O morro era conhecido também pelo nome de morro Sagrado, onde os
indígenas da localidade celebram anualmente uma festa. Os locais por
onde Júlio Henriques faz passar Newton - Chimpumpunhime, Xicussi, etc.,
são estações do roteiro de Capelo e Ivens.
Sem comentários:
Enviar um comentário