Insubordinação na Fortaleza de S. Fernando
Dos vários episódios que marcaram o passado desta Fortaleza, conta-se que em 1869 estava ali aquartelado um contingente de 100 praças pertencentes ao Batalhão de Caçadores 3, na sua quase totalidade criminosos de delitos graves, que ali cumpriam as suas penas, e que na noite de 14 de Novembro daquele mesmo ano, essas praças amotinaram-se para protestarem contra os serviços violentos a que eram obrigados, contra os castigos rigorosos que sofriam, e contra os descontos excessivos que eram feitos nos seus prés. Acusavam o capitão Miranda como responsável de toda aquela situação.
Avisado o então chefe do Concelho, Major Joaquim José da Graça, do que se estava a passar, este dirigiu-se à Fortaleza, onde, perante o seu espanto, os soldados amotinados já pegavam em armas, e chegaram mesmo a alvejá-lo, com um tiro de pistola, ainda que sem consequências. O oficial em causa conseguiu dissuadi-los dos seus intentos, e prometeu recebê-los no dia seguinte na secretaria do Concelho, a fim de apresentarem as suas queixas, o que de facto aconteceu.
Após um diálogo apaziguador, o Major Graça retirou-se, parecendo tudo estar debelado, porém os soldados voltaram a sublevar-se e, convencidos de que os habitantes da vila se preparavam para os dominar pela força, armaram-se de novo, carregaram as peças, e apontaram-nas para a vila, prontos a fazer fogo, e mesmo a destruir a povoação e incendiar as casas de seguida, levando os moradores apavorados, receosos de toda a espécie de atrocidades, a abandonaram as suas habitações e a procuraram refúgio nas Hortas, que ficavam a três quilómetros do aglomerado populacional.
Foi então que o inesperado aconteceu. No meio de tão dramática situação, quando parecia estar tudo perdido, que a Sra D. Maria do Carmo Lobo de Ávila, esposa do chefe do Concelho, "saiu resolutamente da sua casa, encaminhou-se ligeira para a Fortaleza, e confiada, corajosa, varonil, aparece de improviso perante a turba arrogante e impetuosa dos revoltados. A gentileza senhorial do seu porte e o excesso prestigio das suas virtudes, contiveram os rancorosos impulsos dos amotinados, que, tomados do espanto que o imprevisto lhes causara, e , confundidos pela severidade que lhes transmitira o nublado rosto da dama, receberam-na com todo o respeito, formaram fileiras, e apresentaram-lhes armas. Perante a atitude de acatamento das praças, a Senhora pôde desempenhar a nobre missão que se lhe impusera: a de os vencer pelo sentimento. Para o conseguir, mostrou-se dominada por irreprimível eloquência, fez-lhes sentir a hidiondez do crime que iam cometer, dirigimdo-se-lhes com uma inflexão de voz tocantemente angustiosa, suplicas ardentes e afervoradas. Os revoltosos, em cujos olhos borbulhavam lágrimas de arrependimento, comoveram-se, e assumiram em seguida inteira obediência. O Chefe do Concelho, que estivera sempre junto de sua esposa, ordenou-lhes então, como lhe cumpria, que descarregassem as peças e as espingardas e recolhessem a pólvora. Tinham-se entregado. A vila estava salva. O espírito de rancor, de violência e de rebeldia que desorientara as praças, que por pouco as não levou à destruição da vila, fora inteiramente subjugado pela palavra enternecedora duma dama fraca e delicada. .."(1)
(1) Passagens retiradas do livro Moçâmedes, de Mendonça Torres, obra cit 2 vol pp. 201 a 206
Cecilio Moreira : "Fortalezas, Fortes, Fortins e Fazendas de Moçâmedes no Sul de Angola". Subsidios para a História de Portugal em Angola. Separata n.8 da Revista Africana Universidade Portucalense, Porto, 1991
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